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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

E o desprezo pelo vinho branco continua

Há algumas semanas atrás tive a chance de ir a dois restaurantes de boa reputação na cidade de Rondonópolis, interior de Mato Grosso. Um deles já era velho conhecido, ao outro fomos pela primeira vez. E como nossas saídas noturnas têm sido muito raras, obviamente decidimos que beberíamos vinho.

O primeiro deles foi o Mediterrâneo Restaurante, cujas especialidades culinárias espelham o nome do estabelecimento. Ambiente requintado e harmonioso, bom atendimento. Eis que chega à mesa a carta de vinhos, e como nossa opção seria peixe a escolha seria naturalmente por um vinho branco.

Após perguntarmos sobre a disponibilidade da garrafa selecionada, esperamos um pouco pelo retorno do garçom e fomos informados que ela estava em falta. Escolhi outra, mas também não tinham a garrafa disponível. Quando o rapaz percebeu que eu não arredaria dos brancos ele finalmente comunicou que o estabelecimento estava completamente sem vinhos brancos. Ou seja, das cinco ou seis opções na carta não havia sequer uma garrafa.

O resultado: fomos obrigado a pedir um tinto, adequando os pratos ao mesmo. Para meu paladar o vinho estava muito denso, pesado, carregado demais na madeira. Foi esse aí:

Serrera Wines / Marton Andina
Serrera del Pecado Malbec Cabernet Sauvignon 2014
Mendoza, Argentina

O segundo restaurante foi visitado umas duas ou três semanas mais tarde. Trata-se do Kenkou Sushi House, velho conhecido da família e de nosso círculo de amigos. Por algum motivo que me é extremamente obscuro, nunca tínhamos tomado vinho no estabelecimento, mas nesse dia estávamos decididos a mudar essa escrita.

Na carta de vinhos, que está junto aos demais itens do menu disponível no tablet de cada mesa, apenas um vinho branco estava listado: o Cosecha Chardonnay, reservado disfarçado da Viña Tarapacá. "Okay, tudo bem, esse será o escolhido", pensei. Qual foi nossa surpresa, porém? O vinho estava indisponível. A alternativa seria um Moscatel da Casa Valduga ou um tinto.

E terminamos optando por este:

Viña San Pedro Tarapacá
Cosecha Tarapacá Merlot 2017
Valle Central, Chile

Este Merlot estava agradável. Bem feitinho, redondo, a Merlot é mesmo uma uva coringa quando bem vinificada.

Notem que não estamos falando aqui de estabelecimentos de qualidade duvidosa, mas sim de restaurantes muito bem estabelecidos e de ótima reputação (cliquem nos links e verão as avaliações do TripAdvisor). A completa ausência de vinhos brancos é ainda mais alarmante no caso do Kenkou, uma casa especializada em culinária japonesa.

O aparente desconhecimento dos responsáveis dos restaurantes quanto à importância do vinho branco é somente um dos indícios que denotam o preconceito arraigado de população e empresários quanto a este item específico em sua grade de atendimento ao cliente. Nem vou entrar no mérito dos preços, que no caso do Mediterrâneo são totalmente abusivos e contribuem ainda mais para a marginalização da bebida e suprema permanência da cerveja nas mesas dos frequentadores.

E assim segue o baile.

Vinho branco pra quê mesmo, né?

quarta-feira, 15 de junho de 2016

O risco da homogeneização

Sim, a palavra é feia e estranha, mas existe. E eu continuo me confundindo sobre onde colocar o i.

Tenho notado uma tendência que me deixa um pouco preocupado no que diz respeito ao universo gastronômico-enófilo de minha cidade, Cuiabá. Refiro-me, mais especificamente, à falta de ousadia nas cartas de vinhos dos novos restaurantes que têm sido inaugurados nos últimos tempos.

Observem bem, não estou reclamando dos vinhos em si. Eles têm qualidades e são escolhas naturais para muitas ocasiões. Meu desapontamento é com a falta de diversidade e um mínimo senso de “querer ser diferente dos demais”. São cartas de vinho preguiçosas, que soam quase como fotocópias umas das outras. Cartas que não fazem a mínima questão de fugir do usual, de oferecer um ou outro rótulo fora do circuito comercial típico. Tudo bem que a maioria destes casos ocorre em bistrôs e restaurantes mais intimistas, mas isso não é desculpa quando se nota o nível de qualidade do ambiente.

Analisando a situação como consumidor, é óbvio que eu me decepciono ao abrir uma carta e notar que os vinhos disponíveis são praticamente os mesmos de outros estabelecimentos concorrentes, incluindo as eventuais descrições. Os ciclos de cartas se repetem com a predominância de um punhado de vinícolas argentinas e chilenas (sempre eles), o que é fatal para os frequentadores que apreciam um nível mínimo de diversidade. O pior mesmo é quando a carta está em completo descompasso com o tema do estabelecimento, como no caso de cantinas ditas italianas sem um único tinto italiano na carta, que é invariavelmente dominada por argentinos e chilenos (sempre eles). E não, Lambruscos amabile não contam.

Analisando a situação do lado do estabelecimento, é inegável que as dificuldades econômicas e a relativa importância do vinho numa sociedade onde a cervejinha reina absoluta contam muito na hora de decidir quais vinhos devem entrar na carta. Além disso, os preços mais convidativos de chilenos e argentinos fazem de seus rótulos as escolhas mais óbvias para qualquer restaurante que não pode se dar ao luxo de ter ou de contratar um sommelier para elaborar uma carta honesta e diversificada (seremos todos nossos próprios sommeliers?). Arriscar-se em oferecer vinhos de outras regiões pode ser um tiro no pé devido aos preços mais elevados, que aliados ao mark-up abusivo acabam excluindo tanto os consumidores iniciantes quanto os conscientes (categoria na qual me incluo).

Os restaurantes mais antigos, aos quais frequentemente recorremos como portos seguros em ocasiões de um jantar mais informal ou em reuniões com amigos, costumam renovar suas cartas periodicamente, e ainda que incorram em eventuais repetições possuem know-how suficiente para garantir alguma notoriedade em suas seleções. O que também pode não significar muita coisa visto que isso pode ser decorrente da amplitude da carta.

O resultado é uma grande quantidade de Malbecs, Cabernets e Carmènéres que se repetem de uma esquina a outra, massificando e homogeneizando a experiência das massas e afunilando as possibilidades de escolha para os enófilos mais dedicados. Mas é claro que isso pouco importa para o consumidor casual, que sempre escolhe o vinho pelo preço e utilizando o método ashke.

No final das contas, independente da situação e do restaurante a triste verdade é que a alta carga tributária e o mark-up sem escrúpulos fazem com que os preços das cartas só aumentem. E assim permanece forte a aura de esnobismo associada à bebida.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sobre beber vinho em restaurantes

Uma das vantagens de começar a beber mais vinhos em casa ou fora de casa é que passamos a conhecer mais produtores, mais rótulos, mais variações de safras. Passamos a entender quais são as designações mais baratas ou mais caras, quais vinícolas valorizar e quais rótulos comprar ou evitar.

Ao mesmo tempo em que isso acontece, vai também se esvaindo aquele medo bobo que possuíamos quando nos deparávamos com as cartas de vinho dos restaurantes. O ato de escolher garrafas para acompanhar as refeições deixa de ser uma questão de sorte devido ao maior discernimento, mas por outro lado é inevitável que este mesmo discernimento traga um novo questionamento que não chega a fazer parte da rotina dos leigos:

Até que ponto os preços dos vinhos nos restaurantes são justos?

Obviamente, quando se é leigo a pergunta acima não tem muita importância. O leigo escolhe a garrafa pela descrição da carta, pela pompa do texto escrito em letras cursivas, pelo nome afrancesado do rótulo ou pelo preço mesmo. Era assim que eu fazia.

Entra a enofilia e a avalanche de conhecimentos começa a tomar forma. Passamos a reconhecer os vinhos de entrada e a compreender o que significam termos como Crianza, Riserva, Roble, Classico. Sabemos que Bordeaux e o Bordô que adorna garrafas de vinhos de supermercado não são a mesma coisa. Vinho Verde não necessariamente significa que o que receberemos à mesa será um vinho verde. Enfim, não dá mais para atirar no escuro ao encarar uma carta de vinhos.

À pergunta estampada acima, portanto, ouso responder que um mark-up máximo de 100% sobre o valor de um vinho no varejo (que é na verdade maior porque os restaurantes compram diretamente das importadoras) está de muito bom tamanho. Acredito que isso é mais que suficiente para cobrir os custos de armazenagem, curadoria e logística de toda a gama de vinhos oferecida pelo estabelecimento, além de absorver os custos do serviço e prover lucro. Mark-ups maiores para vinhos de entrada e menores para vinhos premium são uma prática que também é comum, mas que não deveria sair fora do limite dos 100%.

Infelizmente, tem aumentado o número de casos em que restaurantes trabalham com preços abusivos em suas cartas. Um dos melhores lugares que frequento, por exemplo, remarcou seus preços de forma absurda, o que diminuiu um pouco (mas não matou) minha empolgação com a casa. Outros casos interessantes são os de restaurantes com cartas mais simples onde predominam vinhos de entrada com preços que fogem à minha noção pessoal de 100% de mark-up.

Em meio a esse cabo de guerra de preços e à arraigada crise econômica que se alastra no país, nós enófilos temos que nos policiar para gastar nosso rico dinheirinho de forma sensata e não incorrer em decepções graves. Como quando encontrei, no supermercado, o mesmo vinho que havia bebido no dia anterior a praticamente um quarto do preço que havia pago no restaurante. Revoltante, para dizer o mínimo!


Baseado nas nossas saídas nos últimos meses e em observações e opiniões de colegas mais experientes, cheguei a duas determinações que tenho seguido fielmente já há algum tempo.


1. Não ter vergonha de escolher os rótulos mais baratos da carta

Absolutamente.

Durante um tempo eu tentei me guiar pelos valores médios da carta. Nem o mais barato e nem o mais caro. Diante do abuso dos preços, no entanto, cheguei à conclusão de que isso não vale a pena e as chances de ser extorquido são maiores se você está se arriscando com um rótulo que ainda não conhece. Há bons vinhos de entrada que podem acompanhar perfeitamente um filé ao molho de cogumelos ou uma massa. Por que partir para um Chianti Classico quando um varietal italiano é adequado e pode até mesmo harmonizar melhor que os conhecidos DOCG da Toscana?

Já pedi Gato Negro e estava ótimo, de bom tamanho para o restaurante e sem abusos contra minha pessoa.


2. Abusar dos dias com rolha livre

Pode ser sorte, mas aqui em Cuiabá a rolha livre (ocasião em que você pode levar seu próprio vinho) é algo que está presente em muitos dos restaurantes que frequentamos. Por questões mercadológicas, em sua maioria eles liberam a rolha nas Terças-feiras, mas há também aqueles que fazem a graça nas Quartas e nas Quintas. Alguns fazem promoções de mês inteiro ou chegam até mesmo a liberar a rolha permanentemente por tempo indeterminado.

Foram poucos os que encontrei que praticam a tal taxa de rolha. Se a prática existe em mais lugares desconheço, ou ela não chega a ser muito divulgada.

Nota: reza parte da etiqueta enófilo-gastronômica que o cliente não deve levar nenhum vinho que seja comercializado na carta do estabelecimento. Concordo plenamente com isso pois faz bastante sentido. Outra parte da etiqueta diz que não é bonito levar vinhos de baixo custo. Aí já discordo, pois há vinhos bons e baratos que merecem sim acompanhar um bom carré de cordeiro fora de casa.

Banfi, Centine Toscana IGT 2013
Acompanhando ótimo jantar em noite de rolha livre

Em suma, o exagero do status em torno do vinho precisa acabar.

A ditadura do mark-up excessivo continua evitando que o vinho seja visto como uma bebida acessível.

Enquanto isso durar posso garantir que, salvo ocasiões especiais, não sentirei culpa nenhuma de pedir ou de levar rótulos mais modestos quando formos jantar fora de casa!