Ah, o inescrutável mundo do vinho, antes impenetrável, hoje não mais um mistério tão grande.
Além de todos os aspectos práticos que já absorvi, posso também dizer que fui capaz de desencanar de várias coisas que antes não me deixavam muito à vontade como, por exemplo, o medo de provar uma garrafa de safra mais antiga (bebe logo, deve estar estragado!), a neura em torno do serviço (nem sempre é preciso taça), a fleuma deselegante (nem todas as situações exigem ritual), o preconceito contra vinhos de mesa (ora bolas, são feitos de uvas também), o preconceito contra as garrafas de supermercado (nada lá presta!) ou a famigerada relação qualidade-preço (é possível ter muita satisfação com vinho abaixo de R$ 50), entre outros.
Mas uma das coisas mais importantes das quais desencanei foi dar excessiva importância às avaliações em massa de vinhos feitas por veículos especializados ou pseudo-especializados. Passei a criar minhas próprias expectativas de uma forma mais independente, nunca compassiva e às vezes por demais inquisitiva.
Não é raro eu me desapontar ou rir com o excesso de firulas que muitos veículos de comunicação utilizam para descrever ou avaliar vinhos. As conotações associativas, as qualificações subjetivas e os floreios sem sentido prático são o que mais me causam espanto. Como se não bastasse a ênfase enfadonha sobre a cor universal do vinho tinto (rubi com reflexos violáceos!), às vezes há um excesso de descritores aromáticos e gustativos que nada mais fazem que desanimar quem está começando a gostar ou tentando entender um pouco desse mundo.
Fato: para a esmagadora maioria das pessoas o vinho tem cheiro e gosto de vinho, pronto. Com alguma persistência e boa vontade do bebedor, depois de algum tempo o paladar evolui e surgem associações organolépticas que devem ser evidentes e esperadas. E pronto, chega.
Se o vinho lembra as frutas do pomar da vovó, a brisa do mar de Noronha, o brioche de um café da Champs-Élysées ou a grama molhada dos jardins suspensos de Alto Coité, isso fica totalmente a cargo de quem está bebendo aquela garrafa, naquele momento e naquelas circunstâncias específicas. Infelizmente, ainda tem gente que ao ler esse tipo de coisa pensa que vai experimentar essas sensações quando abrir aquela /preciosa/ garrafa agraciada com os /imbatíveis/ 98 pontos by Robert Parker. E essas pessoas caem do cavalo feio, para imediatamente em seguida se sentirem nas nuvens com um Concha y Toro Reservado degustado na varanda de casa enquanto se joga conversa fora com o vizinho.
Você já foi levado por alguma onda de entusiasmo e se decepcionou com um
vinho? Eu já. E continuo sempre lutando para não passar
novamente por tal constrangimento interno. Porque, sabem como é, a vergonha meio que não nos deixa verbalizar a confusão e o desapontamento, e acaba fazendo com que muita gente não consiga desenvolver um paladar próprio.
Enfim...
Para não polarizar minhas expectativas de maneira equivocada, não leio mais as avaliações descritivas que são feitas em lote por revistas e veículos especializados. Por outro lado, sempre que posso procuro lê-las depois que já degustei determinado vinho, afinal é sempre mais interessante
conferir outros pontos de vista sobre algo que você já conhece.
Nada contra os profissionais que são pagos para redigirem os textículos em lote ou contra as pessoas que ali acreditam haver real valor, porém depois de algum tempo tornou-se inevitável a sensação de que estou diante de um rodízio de resenhas esotéricas/astrológicas que se alternam a cada cinco luas. Na minha opinião é muito mais proveitoso se informar acerca do produtor e dos métodos que ele utiliza em seus processos, assim como os cuidados que ele demonstra com os vinhos que coloca no mercado. Informações objetivas, reportagens e artigos bem escritos, sem (excessiva) perfumaria. Além disso, as melhores referências sempre serão aquelas que saem do lugar-comum e vêm com algum contexto sincero, incluindo aí opiniões bem ponderadas de amigos e conhecidos.
De contrarrótulos sem-vergonha e descrições safadas de marketing o mundo do vinho está cheio, e sinceramente acredito que isso influi na manutenção da aura de esnobismo que cerca a bebida na mesma medida (ou até mais) que os constantes aumentos de preços/impostos.
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