sábado, 17 de setembro de 2016

Se a reputação precede o vinho...

Desde que comecei a me envolver mais com o mundo dos vinhos, há pouco mais de um ano e meio, sempre tive por meta variar as garrafas degustadas. Não ficar sempre no mesmo produtor ou região, e se possível ir atrás dos exemplares mais diferenciados que pudesse encontrar. Repetir uma garrafa jamais, pelo menos por um bom tempo.

Sim, sou meio extremista. Eu proibi a esposa de estocar a adega com Casal Garcia, por exemplo.

Por mais incrível que possa parecer, conheci pessoas que pensam o contrário e se mantêm fieis a um único vinho ou a um único estilo de vinho. Compram sempre as mesmas garrafas, às vezes caixas do mesmo vinho, mas não com o intuito nobre de abri-las de maneira compassada para apreciar sua evolução. A ideia é prová-los no dia a dia, e essas pessoas são perfeitamente felizes com algo que lhes é agradável e lhes traz prazer. Sair da rotina é algo que chega quase a doer fisicamente, tamanho é o risco e o medo de tomar algo que não lhes agrade da mesma forma ou na mesma intensidade.

Apesar de valorizar a variedade sempre e continuar buscando degustar vinhos diferenciados, recentemente passei por uma experiência que me fez reavaliar um pouco este conceito, mudando uma mentalidade que com certeza me levou a provar vinhos que talvez não fossem as escolhas mais adequadas para quem está começando.

A ideia é ficar mais ou menos na intersecção, se é que vocês me entendem

Alguém duvida que os melhores jogadores de basquete atuem nos Estados Unidos, que os melhores chocolates são produzidos na Suíça, que o melhor pequi é o que vem de Goiás, que o melhor serviço de streaming atual é a Netflix ou que os melhores frutos do mar são aqueles preparados frescos? Ainda que algumas pessoas discordem dessas afirmações, a probabilidade é que para a maioria elas sejam verdades consolidadas, seguras, contra as quais fica difícil oferecer argumentos contrários.

Pois assim são também muitos aspectos no mundo do vinho. Ir contra eles significa colocar-se em risco, trilhar um caminho não tão seguro e incorrer numa maior probabilidade de erro. Onde devemos ir para provar os melhores Pinot Noir? Na Borgonha, claro. É na Espanha que podemos encontrar as melhores garrafas de Tempranillo, mas onde estarão os melhores Rieslings? Se alguém disser algo diferente de Alsácia e Alemanha está com certeza muito equivocado. As melhores garrafas de Carménère não estariam exclusivamente no Chile? Alguém consegue imaginar algum outro país produzindo Nebbiolo e Barbera com a mesma consistência com que essas variedades são trabalhadas no Piemonte?

O caminho mais racional para entender um estilo de vinho ou uma variedade de uva é buscar por produtos cuja reputação os precede.

A probabilidade de provar um excelente Touriga Nacional, por exemplo, é muito maior com um exemplar português do que com uma garrafa norteamericana. Isso absolutamente não significa que os EUA sejam incapazes de produzir bons Tourigas, mas no universo vitivinícola como um todo essa é uma aposta arriscada para qualquer enófilo que busca escolher as melhores garrafas para sua adega.


Caso em questão: Tannat. Casta originária da França e conhecida por ser casca grossa (literalmente) e pelos taninos agressivos, a Tannat foi difundida em diversos outros países mas todas as fontes apontarão que foi no Uruguai que ela melhor se adaptou. O sucesso foi tamanho que nosso pequeno vizinho fez campanha para que a Tannat fosse reconhecida como sua casta emblemática. E conseguiu.

Deve-se esperar, portanto, que os melhores Tannats sejam provenientes do Uruguai. Principalmente no quesito custo-benefício, uma vez que os exemplares provenientes da AOC Madiran, na França, são vendidos por aqui a preços proibitivos (e assim a uva vai seguindo o mesmo caminho já trilhado pela Malbec e pela Carmenere).

Para ratificar o exposto, exponho abaixo fotos da pequena overdose que tive de Tannat há algumas semanas atrás, em ordem cronológica. A amostragem não foi tão abrangente e nem o calibre dos vinhos tão elevado, mas ficou evidente para mim que os mais equilibrados foram realmente os uruguaios.

Montes Toscanini, Reserva Familiar Tannat, Canelones 2015 (Uruguai)

Vinho jovem de corpo leve, mas o que lhe falta de densidade sobra na textura equilibrada, um caldo aveludado com olfato de amoras e sem qualquer indício de taninos. A influência do carvalho ao final da fermentação foi mínima e na minha opinião ideal. Fantástico vinho, pelo que entrega e também por quanto custa (um dos mais baratos da carta do Madero Steakhouse de Cuiabá).

Bodega Garzón, Garzón Tannat, Maldonado 2013 (Uruguai)

Vinho de boa tipicidade, com ótima estrutura de taninos e o esperado leque aromático de frutas negras sinalizado pela coloração rubi escura. O restante da garrafa ficou ainda melhor depois de um tempo de descanso intermediário.

Establecimiento Juanicó, Don Pascual Varietal Tannat, Canelones 2015 (Uruguai)

Mais um Tannat de corpo leve, que desceu macio. Desconsiderando o exemplar Reservado comercializado em terras tupiniquins, esse é o rótulo de entrada da Família Deicas / Juanicó, e chama a atenção pela maciez em boca.

Bodegas El Esteco, Michel Torino Colección Tannat, Salta 2012 (Argentina)

Esse eu procurei de birra, para fugir do eixo Brasil-Uruguai que domina o mercado nacional. O olfato é de frutas negras maduras, com um pouco de chocolate e tabaco e presença sutil de madeira no paladar, além de acidez bem presente. Não tão equilibrado quanto os anteriores, mas ainda assim agradável.

Pizzato Vinhas e Vinhos, Fausto Tannat, Serra Gaúcha 2014 (Brasil)

Este aqui foi marcado por uma presença mais acentuada de carvalho já no olfato, além de taninos dispersos que encobrem a característica frutada e deixam o vinho mais rústico.

Coop. Viníciola Aurora, Aurora Reserva Tannat, Serra Gaúcha 2014 (Brasil)

Até hoje o melhor Tannat brasileiro que provei. Olfato intenso de fruta madura como ameixa e amoras, paladar de textura suave e taninos finos, num vinho saboroso com ótimo equilíbrio em boca. Dentro da linha Aurora Reserva, este Tannat foi a variedade que mais me agradou. E também foi a única garrafa deste grupo que foi capaz de fazer frente aos exemplares uruguaios.


Obviamente ainda estou por provar garrafas de Tannat mais potentes, e a oportunidade com certeza chegará. Os que vieram antes destes foram quase todos brasileiros, e admito que nenhum deles tocou meu paladar como eu esperei que tivessem tocado. Ui!

Vão por mim, as aventuras podem ser agradáveis também, mas se quiserem conhecer a Tannat de maneira mais racional ou simplesmente não errar na escolha de garrafa, optem por um vinho uruguaio.

Saúde e um grande abraço a todos!

4 comentários:

  1. Bacana os vinhos que avaliastes. Tannat é uma cepa que gosto muito mas que faço duas observações importantes: (1) como o amigo bem colocou, são vinhos muitas vezes macios, sem a agressividade que as pessoas imaginam; (2) falta elegância e refinamento aromático.

    Recomendo que experimentes o Bouza Tannat, que na fronteira custa uns 10 dólares mas aqui no Brasil sai uns 100 reais. Ainda da Bouza: o Tannat A6 ou A8, parcela única. Outro nível de preço mas entrega muita qualidade.

    Outra sugestão: Don Pascual "Crianza en Roble" Tannat (uns 25 reais lá) com muita tipicidade, madeira, rusticidade. Uma delícia para acompanhar um churrascão. Esse Don Pascual que tu avaliou custa uns 12-15 reais no Uruguai e já é bom, como bem descrevestes.

    Mas é isso. Gostaria de te sugerir que quando tomares tannats uruguaios novamente procure por uma nota aromática láctea. Algo que lembra (e muito) os leites fermentados do tipo yakult. Ok? É algo que percebo sempre.

    Abraço pra ti!

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    1. Agradeço muitíssimo pelo feedback, xará!
      Vou estar colocando mais Tannats na adega, e levarei suas sugestões em consideração.

      Interessante a sua colocação sobre o aroma de bebida láctea, também vou ficar de olho (ou nariz) aberto.

      Forte abraço!

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  2. Abri nos últimos tempos dois Tannats brasileiros muito interessantes.
    - Vallontano Tannat 2009. Excelente cara. Muito complexo, evoluído, firme. É um vinho muito elogiado por especialistas e que realmente merece todos os aplausos. A excelente safra 2012 está custando uns 60 reais por aqui, talvez menos. Vou comprar e guardar.

    - Valmarino Tannat 2014. Safra bem complicada aqui no RS mas é muito bem feito. Custa menos de 40.

    Valeu.

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    1. Sugestões anotadas, Figueiredo!

      Infelizmente, com exceção dos vinhos da Deicas e da Bouza, os demais não chegam por aqui, ou pelo menos ainda não tive sucesso em achá-los nos locais que mais frequento. Mas a busca continua, sempre.

      Abraço!

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