terça-feira, 30 de agosto de 2016

Einig-Zenzen, Josef Friederich Liebfraumilch, Rheinhessen 2013 (Alemanha)

Vinho: Josef Friederich Liebfraumilch
Safra: 2013
Região: Rheinhessen
País: Alemanha
Vinícola: Einig-Zenzen (http://www.einig-zenzen.de, http://zenzenwinesusa.com)


Tudo começou no dia em que avistei aquela garrafa azul no armário da sala de dona Diva, avó da minha esposa. Conversa vai, conversa vem, a curiosidade ia aumentando à medida em que meu conhecimento sobre vinho melhorava. Até o dia em que a cantei para ganhar de presente a garrafa. E ganhei. Um legítimo Liebfraumilch, safra de 1996 da mais famosa marca distribuída em nosso país nos anos 90.

É óbvio que eu conheço a má fama deste vinho, e é claro que eu não tinha a mínima intenção de beber algo que devia estar morto. Por outro lado, pensei que seria com certeza muito inusitado abri-lo ao lado da safra mais recente. Eu só não sabia que conseguir a bendita garrafa seria tão difícil, sendo que cheguei até a relatar parte desta saga aqui mesmo no blogue. O mais engraçado é que depois de toda a atribulação que tive para importar a garrafa de São Paulo acabei encontrando a safra 2014 na semana passada, em dois supermercados da cidade...

Enfim, o momento da *aham* grande prova vertical de Liebfraumilch chegou numa manhã ensolarada de Domingo. Mas antes de contar como foi a experiência vamos recapitular um pouco da saga desse emblemático vinho.


Originalmente batizado de Liebfrauenmilch, cujo significado literal é “leite da amada”, dizem por aí que este vinho adocicado nasceu numa igreja da cidade alemã de Worms ainda no século 18. Inicialmente produzido pelos monges, a fama que o marcou foi também responsável por desfigurá-lo com o passar do tempo. No início do século 20, por exemplo, as regiões cujos vinhos podiam usar o nome Liebfraumilch aumentaram sem que qualquer controle de qualidade fosse imposto. E foi somente em 1989 que as atuais regras de produção da marca foram promulgadas, de tal forma que este peculiar e hoje muito odiado vinho ostenta com certo “orgulho” a denominação QbA (Qualitätswein bestimmter Anbaugebiete), que está acima do que poderia ser chamado de vinho de mesa na terra de Herr Kurt Wagner. Por sinal, dizem as más línguas que os vinhos de mesa alemães são horríveis, ao contrário do que ocorre nos países vizinhos (atenção às designações Tafelwein e Landwein).

Muitos consideram que o Liebfraumilch quase acabou com a reputação do vinho alemão nas décadas de 80 e 90 devido à baixa qualidade das garrafas exportadas para todo o mundo. Eu ri muito quando li que a indústria vinícola alemã passou na verdade por três grandes desastres: a 1ª. Guerra Mundial, a 2ª. Guerra Mundial e o Liebfraumilch.

Como um dos mercados onde esse vinho mais fez sucesso, aqui no Brasil inúmeras histórias são contadas por aqueles que vivenciaram o auge do vinho da garrafa azul (veja alguns links no final desta postagem), que foi capitaneado pelo Josef Friederich importado pela Expand e cujo apelo foi tão forte que chegou a afetar vinícolas nacionais de renome como Salton e Aurora. Ainda hoje, por exemplo, é possível encontrar o Liebfraumilch feito pela Aurora a preços abaixo de R$ 15 (pero ele não vem numa garrafa azul). Obviamente será impossível ver qualquer menção a este Liebfraumilch em seu website – se o vinho é motivo de vergonha para os alemães, que se negam a admitir sua existência e o despacham todo para a exportação, que dirá para aqueles que ousam reproduzi-lo em outras terras.

Atualmente o nome Liebfraumilch é usado somente como um sinônimo para vinhos brancos genéricos e adocicados (que se encaixam na denominação “suave” usada no Brasil). As variedades de uva utilizadas nunca aparecem no rótulo, mas a norma exige que o vinho seja produzido somente nas regiões de Rheinhessen, Pfalz (Palatinado), Nahe ou Rheingau e que pelo menos 70% dele seja feito a partir de Riesling, Müller-Thurgau, Bacchus, Silvaner e/ou Kerner. O açúcar residual deve estar na faixa de 18 a 40 g/l.


Sobre a Einig-Zenzen

A vinícola Einig-Zenzen foi fundada em 1939 na cidade de Valwig, situada à margem direita do rio Mosela. A partir de um início tímido, que se valia do passado vitivinícola dos ancestrais dos fundadores, a companhia mudou-se para a cidade de Kaisersesch e expandiu-se em nível internacional, chegando à invejável capacidade de engarrafamento de 40.000 garrafas por hora, tudo isso ainda mantido sob controle familiar.

Atualmente a empresa produz cerca de 3,2 milhões de garrafas por ano, exportando seus produtos para cerca de 50 países. Suas marcas mais conhecidas são a Peter Brum, E-Z, Dr. Zenzen e True Love, além do spritzer Eden’s Dream (uma variação do frisante ao estilo do Keep Cooler).

Em 2009 a Einig-Zenzen obteve os direitos sobre a marca Josef Friederich, que continua a ser distribuída mundialmente. Lembram do que mencionei mais acima sobre vergonha? Desistam de encontrar qualquer menção a este vinho no site da empresa, ou mesmo do Liebfraumilch lançado dentro da linha Dr. Zenzen (mas aqui está ele). Aparentemente, cada mercado externo tem o seu, e mesmo a marca Josef Friederich pode ter rótulos variantes dependendo do país.


O vinho degustado: Josef Friedrich Liebfraumilch, Rheinhessen 2013

Como anunciado, a garrafa foi aberta em conjunto com a safra 1996.  Esta última estava com a rolha completamente podre, e mesmo tentando extraí-la com meu recém-adquirido saca-rolhas tipo pinça a danada acabou indo para dentro da garrafa.

O jeito foi passar a maior parte do vinho para uma jarra. Como esperado, ele estava morto. Opaco ao extremo, de coloração atijolada-escura e marrom. Tive medo até de aproximar o nariz da taça, mas tive que fazê-lo em prol de minha educação enófila... Fui atingido em cheio pelos "aromas" químicos de álcool, mertiolate, iodo, açúcar e fruta podre apanhada em terreno baldio. Em boca era álcool puro, absolutamente intragável (sim, eu bebi um pouco).

Uma das rolhas com aspecto mais deplorável que já vi

Duas contrastantes linhas do tempo em taças

Sobre a garrafa do 2013, que possui fechamento com screw-cap, o aspecto visual do vinho não deixa nada a desejar a nenhum bom vinho branco. Olfato agradável de pêras, seguido por sensação tátil levemente untuosa e adocicada. Infelizmente, o aspecto suave do vinho deixa-o enjoativo já na segunda taça, o que o faz ser uma companhia maçante quando encarada sozinha. Realmente, é muito difícil voltar a encarar coisas suaves depois que se acostuma com vinhos secos. Ainda assim, se for para beber um Liebfraumilch que seja comendo algo sem pensar muito sobre.

É praticamente impossível saber exatamente qual é a composição deste vinho, em qualquer safra que seja. Indo pelo material de uma das importadoras, as castas utilizadas são Silvaner, Riesling e Müller-Thurgau, em percentuais desconhecidos. Há outras fontes, no entanto, que apontam a presença de Sauvignon Blanc.

No final das contas quem vai se importar mesmo? De minha parte já fiz o dever de casa, agora o jeito é compensar e ir atrás de um vinho alemão que seja bom!


Confiram nos links a seguir algumas histórias sobre o Liebfraumilch, escritas por quem viveu o seu auge:
http://www.escrivinhos.com/2008/08/saga-das-garrafas-azuis.html (AGO-2008)
http://piresdemiranda.com.br/site/o-fenomeno-da-garrafa-azul-2 (AGO-2010)
http://piresdemiranda.com.br/site/o-fenomeno-da-garrafa-azul-final (AGO-2010)
http://vinhosamoresetaca.blogspot.com.br/2013/05/uma-volta-aos-anos-90-mappin-e.html (MAI-2013)
http://omundoeovinho.blogspot.com.br/2015/12/o-liebfraumilch.html (DEZ-2015)

Outras fontes de leitura sobre o Liebfraumilch:
http://www.wine-searcher.com/regions-rheinhessen
http://www.foodreference.com/html/artliebfraumilch.html

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

José Maria da Fonseca, Alambre Moscatel de Setúbal DO 2010 (Portugal)

Vinho: Alambre Moscatel de Setúbal DO
Safra: 2010
Região: Península de Setúbal
País: Portugal
Vinícola: José Maria da Fonseca (http://www.jmf.pt)


Como sempre quis provar um vinho licoroso que não fosse tão forte quanto o Porto, não deixei passar a oportunidade de pegar esse rótulo por um preço mais em conta numa promoção da Viña Bebidas Finas.

Posso dizer que não me decepcionei. Aberta como encerramento para o primeiro encontro da Confraria Tênis e Vinho MT, a garrafa foi posteriormente degustada aos poucos e me abriu os olhos quanto a esse estilo peculiar de vinho.

Um pouco de história

José Maria da Fonseca tem a honra de ser a mais antiga vinícola de Portugal. Fundada pelo empreendedor que lhe dá o nome em 1834, ela está atualmente em sua 7ª. geração e vende seus vinhos para todos os continentes do mundo. Alguns deles se tornaram muito famosos no mercado interno e externo, como os rótulos Periquita e o Lancers, bastante conhecido nos Estados Unidos. A relação da vinícola com nosso país sempre foi muito forte.

A José Maria da Fonseca sempre contribuiu para a divulgação e o prestígio dos vinhos portugueses. Dos quase 650 hectares de vinhas, e de uma adega dotada de tecnologia de última geração que rivaliza com as melhores do mundo, resultam vinhos que aliam a experiência acumulada ao longo da sua história com as mais avançadas técnicas de vinificação.

Conforme informação presente no site da empresa, sua produção divide-se entre rótulos "Grandes Marcas", "Premium", "Super Premium" e "Generosos".


O Moscatel de Setúbal

O Moscatel de Setúbal é produzido somente em Portugal, na municipalidade homônima dentro da Península de Setúbal. Considerado um tesouro dos vinhos portugueses, sua história se cruza com a história da José Maria da Fonseca, pois muitas fontes apontam para o fato de que o estilo teria sido inventado pelo visionário fundador da vinícola. Por muito tempo ele teve um quase-monopólio do Moscatel de Setúbal, mas hoje esse tipo de vinho é produzido por várias empresas diferentes.

A Península de Setúbal é ainda uma das denominações mais antigas de Portugal, sendo que a denominação de origem do Moscatel de Setúbal foi inicialmente demarcada em 1907, sendo confirmada e concluída em 1908. No contexto geral, a região de Setúbal DO está geograficamente delimitada pelos conselhos de Setúbal, Palmela, Montijo e a freguesia do Castelo pertencente ao município de Sesimbra. Este terroir é único: a precipitação anual é de 550 a 750 mililitros e há 2.200 horas de sol derramadas sobre terrenos arenosos e argilo-calcários, tudo temperado com uma mão cheia de brisa atlântica.

Similar ao Porto, o Moscatel de Setúbal é envelhecido em barrica até o momento do engarrafamento. As regulações da DO especificam que ele deve ser composto principalmente pelas castas Moscato de Alexandria ou Moscato Roxo, com até 30% de Arinto, Boais, Diagalves, Fernão Pires, Malvasia, Olho de Lebre, Rabo de Ovelha, Roupeiro, Talia, Tamarez e Vital. As uvas podem pertencer a uma mesma safra ou o vinho pode ser feito a partir de um blend de várias safras.


A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) é a entidade certificadora das Setúbal DO, ou seja, dos Moscatéis de Setúbal/Roxo e dos vinhos com Palmela DO e IG Península de Setúbal. A área de produção dos vinhos com esta designação regional, conhecida por Terras do Sado até 2009, abrange todo o distrito de Setúbal, desde o conselho de Montijo ao de Santiago de Cacém, enquanto a área dos Palmela DO, à semelhança da dos Setúbal DO, está circunscrita nos conselhos de Setúbal, Palmela, Montijo e Freguesia do Castelo, do conselho de Sesimbra. Para saber mais, visite o website dedicado ao Moscatel de Setúbal.


O vinho degustado: Alambre Moscatel de Setúbal DO 2010

De acordo com a descrição do produtor, a fermentação desse vinho feito 100% com a casta local Moscato é interrompida com a adição de aguardente vínica, seguida por uma maceração pelicular de 5 meses. O envelhecimento é feito em cascos ou tonéis de madeira usados por um período não especificado (supõe-se dois a três anos).

No alto de seus 17,5% de teor alcoolico e 127 g/litro de açúcar residual, a primeira impressão no olfato é definitivamente marcante. "Álcool puro", foi o veredito da minha esposa. É verdade que esta pode ser a sensação inicial, mas basta ter um pouquinho de paciência para reconhecer a forte presença de mel, melado e damasco maduro. Em boca ele faz jus à alcunha de "generoso", pois atinge a língua com peso e doçura, a textura espessa como um bom suco vínico maturado no qual pouco se sente a madeira.

O vinho acompanhou no primeiro dia um mousse de chocolate amargo e limão. Nos dias seguintes repeti o mousse e harmonizei-o ainda com pão de mel, bolo de cenoura, alfajor uruguaio e pão integral com recheio de cranberry. Houve um pouco de evolução no vinho enquanto ele descansava na geladeira, já que passei a sentir aromas bem específicos de caramelo. Todas as combinações funcionaram de maneira soberba.

Um forte abraço a todos e saúde!

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Vinhos de mesa e as uvas americanas

Alguém por aí já se perguntou o porquê dos vinhos de mesa brasileiros serem tão massacrados por crítica e público, todos doutrinados a apreciarem somente os vinhos feitos de castas que vieram de berço europeu e pertencem à espécie Vitis vinifera?

Não vale alegar que é porque tais vinhos são feitos de uvas americanas, “não adequadas” à produção de vinho.

Certo dia, enquanto eu degustava um Merlot encorpado, o questionamento subiu-me à mente como as cristalinas borbulhas de um bom espumante. Qual o motivo de tanto desprezo, uma vez que – excetuando os produtos suaves que recebem adição de açúcar – os vinhos de mesa são produzidos exatamente da mesma forma que os vinhos considerados finos?

Foi então que comecei a pesquisar sobre os vinhos de mesa brasileiros e suas origens, e sobre onde eu poderia encontrar produtos equivalentes fora do país. Vou tentar resumir os resultados de minhas muitas leituras e as eventuais mudanças que pretendo fazer em minha forma de enxergar os vinhos de mesa.


A origem da diferença

A origem do desprezo pelos vinhos de mesa nacionais é histórica, e se estende muito além de nossas fronteiras. Foi na Europa, conhecida também como Velho Mundo e historicamente considerada o berço da civilização moderna, que a bebida chamada vinho evoluiu por séculos. As uvas utilizadas no continente, referidas obviamente de castas europeias e pertencentes à espécie Vitis vinifera, são todas as que hoje conhecemos como fonte dos “verdadeiros” vinhos. Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay, etc.

Como era de se esperar, com a colonização dos demais continentes as uvas Vitis vinifera se espalharam pelo planeta. O Novo Mundo foi invadido e vagarosamente infestado por estas castas nobres, enquanto algumas das variedades locais, comumente denominadas uvas americanas e não pertencentes à variedade Vitis vinifera, resistiram à invasão estrangeira por serem nativas e naturalmente mais adaptadas ao solo local. As uvas americanas perseveraram principalmente nas regiões onde as cepas europeias mostraram dificuldade em se adaptar nos mesmos padrões de qualidade e volume.

A inevitável mistura de uvas de vários continentes e os cruzamentos entre as espécies (forçados ou não) resultaram nas chamadas uvas híbridas, que em geral apresentam resistência maior às doenças e ao frio, e assim como as americanas possuem um perfil gustativo e aromático distinto das já estabelecidas uvas do velho mundo.

Fisicamente, as uvas americanas diferem das uvas europeias na menor espessura de suas cascas e no tamanho do fruto, que em média é muito maior. É por isso que as uvas americanas são mais indicadas ao consumo in natura. Além disso, sua menor concentração de açúcar tende a render mostos menos alcoolicos, o que aliado aos aromas diferenciados resultam em vinhos de natureza completamente distinta daqueles produzidos com castas europeias.

Hoje em dia os vinhos feitos a partir de uvas americanas são produzidos exclusivamente nas Américas, mas em sua maior parte nos Estados Unidos, no Canadá e no Brasil. Acredito que no início da invasão estrangeira eles tinham todas as chances de se manterem em pé de igualdade com os vinhos feitos com uvas europeias, mas não foi isso o que aconteceu. Principalmente no Brasil.

fonte: Wine Folly

Por que vinho de mesa?

O termo “de mesa”, como difundido em terras tupiniquins, é uma designação unicamente associada às uvas de mesa, que são aquelas que consumimos in natura e pertencem em sua maioria às variedades de uvas americanas da espécie Vitis labrusca e outras espécies híbridas. Vinhos elaborados a partir de castas Vitis vinifera são vinhos “finos”.

Dito isso, é preciso deixar claro que o vinho de mesa como conhecemos por aqui não é o mesmo vinho de mesa de países como a França (Vin de Table / Vin de France) ou a Itália (Vino da Távola). Lá estes vinhos são feitos com as mesmas castas Vitis vinifera das AOCs e DOCs, a única diferença é que eles não seguem nenhuma das regras estabelecidas por essas normas. E esses vinhos podem ser secos ou “suaves”, cujos correspondentes na França e na Itália seriam os moelleux e os amabile, respectivamente.

Tudo bem que em sua grande maioria os vinhos de mesa de lá também sejam produzidos de maneira mais simples e visando volume, mas sempre existem exceções em matéria de qualidade. Aqueles super-toscanos safados, por exemplo, já foram vino da távola um dia, e só deixaram de sê-lo quando algum figurão benevolente sugeriu a criação da categoria IGT.

Vale lembrar que na Europa a vinificação de uvas de origem americana é terminantemente proibida. Portanto, é impossível encontrar por lá um vinho de mesa que seja similar aos vinhos de mesa brasileiros.


A legislação brasileira faz sentido

Ao analisar a origem e a evolução do vinho no Brasil, percebe-se que as regras da legislação do mercado de vinho brasileiro fazem completo sentido. Estas regras surgiram principalmente por causa dos vinhos de mesa, que são feitos a partir de uvas americanas e vendidos com as mais variadas proporções de açúcar em sua composição final. Secos são os vinhos com teor de açúcar abaixo de 4 g/l, suaves são aqueles com teor acima de 20 g/l e tudo o que está entre estes extremos é demi-seco.

O grande problema é que a classificação acima também é aplicada ao vinho fino feitos de castas europeias, seja ele nacional ou importado, algo que lá fora simplesmente não existe. E se isso causa confusão quando os vinhos importados entram no país, o problema é de quem bebe e precisa se informar melhor. As importadoras não têm culpa, pois só estão cumprindo com as normas.

A marginalização dos vinhos de mesa brasileiros

Ainda que haja uma conscientização cada vez maior sobre a alegada superioridade dos vinhos feitos a partir de variedades europeias, é inegável que os vinhos de mesa (especialmente os suaves) ainda figuram como a principal preferência da maioria da população brasileira. Basta tocar no assunto em qualquer roda casual de conhecidos das mais diversas classes sociais. Se entre dez pessoas alguém além de você mencionar Merlot ou Sauvignon Blanc, já se está no lucro. Infelizmente, a probabilidade maior é de que algum engraçadinho do sexo masculino tire sarro da sua cara se você disser Pinot Noir em voz alta.

Brincadeiras à parte, os motivos para o que mencionei acima são muitos, sendo o maior deles o baixo custo final do vinho de mesa para o consumidor. Mas é preciso destacar também a sua inicial facilidade de apreciação (são docinhos e leves) e o grande período histórico que precedeu a abertura de mercado ocorrida na década de 90. A este último aspecto soma-se a inércia e a letargia dos produtores nacionais de vinhos de mesa, que com raras exceções nada fizeram para tentar elevar o status de seus produtos diante da classe fina emergente. O desprezo foi e é tão grande em alguns casos que hoje em dia muita gente toma coquetel composto achando que é vinho.

Façamos uma comparação rápida entre o mercado de vinhos feitos com uvas americanas do Brasil e dos EUA, por exemplo. Quais são os vinhos de mesa brasileiros famosos que estampam no rótulo as variedades de uva a partir das quais são produzidos? Praticamente nenhum. São quase todos tintos/brancos de mesa suaves/secos. Muito provavelmente por uma decisão safada de marketing, a única cepa que aparece com proeminência em rótulos de maior saída é a tal Bordô, uma híbrida de várias Vitis labrusca cujo nome correto é Yves Noir. Que chique seria se esse nome passasse a ser usado, não? Aposto que teria muito entendido por aí que começaria a degustar Bordô como se estivesse bebendo Syrah.

Já nos Estados Unidos a história parece ser diferente. Vinho de mesa é uma designação meio sem sentido, uma vez que qualquer vinho de preço reduzido é genericamente qualificado como Table Wine. Os Barefoot, Yellow Tail e Woodbrigde, por exemplo, são considerados vinho de mesa para os norteamericanos. E quanto aos vinhos feitos com variedades nativas? Ora pois, os rótulos de lá mostram (com orgulho, talvez?) nomes como Concord e Niagara, que são as mais conhecidas para nós brasileiros. Mas há ainda cepas diferentes e interessantes como Catawba, Chancellor, Muscadine/Scuppernong, Norton, Aurore e Mustang, para ficar em algumas das uvas mais proeminentes de outras espécies que não pertencem nem à vinifera e muito menos à labrusca.


Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde os vinhos feitos de uvas americanas não parecem ter vergonha nenhuma de sua própria identidade, para achar informações de como é a composição dos blends dos vinhos de mesa nacionais ou encontrar designações varietais como Isabel ou Niagara é preciso ir um pouco mais a fundo neste mercado relativamente marginalizado, saindo do circuito viciado dos supermercados ou viajando ao coração da região sul do país.

Seguem alguns exemplos de vinhos de mesa secos onde a variedade é devidamente indicada no rótulo:

Sei que isso pode soar como sacrilégio para alguns, mas depois de ler bastante sobre o assunto tomei a decisão de não mais olhar com maus olhos os vinhos de mesa secos. Mas calma lá, isso não quer dizer que vou começar a garimpar empórios de bairro ou encher minha adega com esses tipos peculiares de vinho. O que quero dizer é que sejam eles feitos a partir de Chardonnay ou de Niagara, de Cabernet Sauvignon ou Concord, tratarei a todos com o mesmo respeito e reverência. Já os vinhos de mesa suaves continuam mais ou menos como estavam, relegados a festas juninas e encontros familiares onde a escolha de bebida esteja completamente fora de minha alçada.

Referências de pesquisa para este texto:
http://winefolly.com/review/native-wine-grapes-of-america
http://winefolly.com/tutorial/table-grapes-vs-wine-grapes
http://www.stufftoblowyourmind.com/blog/american-wine-from-american-grapes
http://palatepress.com/2010/06/wine/wine-indigenous-american-grape-varieties-a-primer
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bord%C3%B4_(casta_de_uva)
http://en.wikipedia.org/wiki/Ives_noir
http://www.avindima.com.br/?p=6013
http://www.cnpuv.embrapa.br/tecnologias/cultivares
http://revistas.fca.unesp.br/index.php/energia/article/view/998/pdf_23
http://tudodevinho.blogspot.com.br/2016/04/o-vinho-fino-e-o-vinho-de-mesa-no-brasil.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Vin_de_France
http://en.wikipedia.org/wiki/Table_wine

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

1º encontro da Confraria Tênis & Vinho MT

Baco regozija e sorri em seu trono cravejado de cachos púrpuras, pois nasceu no último fim de semana mais uma confraria dedicada à degustação de vinhos!

Trata-se da Confraria Tênis & Vinho MT, cujo primeiro encontro aconteceu na residência deste que vos escreve. Nosso grupo é pequeno e nasce com o objetivo primário de diversão descompromissada e sem formalidades, mas temos um diferencial: todos os confrades são jogadores e praticantes de tênis.

O tema de nossa primeira reunião foi livre, então cada confrade recebeu carta branca para trazer a garrafa que quisesse. Para harmonizar montamos uma mesa com diversos tipos de queijos.

Listo aqui as garrafas degustadas para referência histórica:

Domaine Christian Moreau, Chablis AOC 2013 (França)

O Chablis se mostrou um mistério para mim no olfato. Nada me veio à mente. Talvez um pouco de mineral, apesar desta característica aparecer mais costumeiramente no paladar, que aqui se mostrou delicado, cristalino e muito agradável para abrir a noite.

Bodega Septima, Septima Cabernet Sauvignon, Mendoza 2013 (Argentina)

Eu já havia provado esta mesma garrafa em outra ocasião, num restaurante. Minha percepção sobre ela não mudou: médio corpo, alguma fruta vermelha e especiaria. Melhor acompanhando comida que sozinho.

Terre di Sava, Luccarelli Primitivo, Puglia IGP 2015 (Itália)

Um degrau acima do Cabernet por apresentar um pouco mais de acidez, na taça este Primitivo jovem mostrou taninos firmes e bom corpo, precedidos por um olfato de frutas do bosque, do tipo que apresenta uma sensação um pouco mais úmida sem no entanto incorrer no terroso.

José Maria da Fonseca, Alambre DO Moscatel de Setúbal, Península de Setúbal 2010 (Portugal)

Este português "generoso" (na definição da própria vinícola) foi uma surpresa de última hora que tirei da adega para acompanhar o mousse de limão e chocolate amargo preparado por minha esposa. Harmonizou muito bem, e devo dizer que nos dias seguintes ficou ainda melhor. Estou pensando em talvez fazer um postagem dedicada sobre ele.

Esta foi a primeira vez que provei tanto um Chablis quanto um Moscatel de Setúbal, e tê-lo feito na companhia dos amigos foi melhor ainda. No aspecto prático das coisas, acredito que só quem já organizou reuniões do tipo sabe como é difícil conciliar a agenda de todas as pessoas. Mas o evento finalmente saiu e a expectativa é que ele continue a ocorrer mensalmente!

Enquanto isso, um novo blogue foi inaugurado para servir de registro para os confrades. Quem tiver interesse em conferir o evento com um pouco mais de detalhes pode visitá-lo no seguinte endereço:
Saúde!