segunda-feira, 18 de julho de 2016

Bodegas Los Llanos, Pata Negra, DO Valdepeñas 2013 (Espanha)

Vinho: Pata Negra, DO Valdepeñas
Safra: 2013
Região: Valdepeñas
País: Espanha
Vinícola: Bodega Los Llanos (http://garciacarrion.es)


Muitas pessoas e websites nomeiam este vinho como Pata Negra Tempranillo/Cabernet Sauvignon, um blend cuja composição percentual é indicada no rótulo (80% e 20%, respectivamente). Quanto a mim, vou me ater ao nome simples Pata Negra porque este é o único exemplar da linha onde o nome aparece sozinho na vertical. Todos os outros estão na horizontal e possuem um predicado bem visível como Roble ou Reserva.

Por que “Pata Negra”?

O nome do vinho na verdade tem relação com o famoso presunto ibérico, um presunto curado produzido na Espanha e em Portugal que é feito a partir da carne do porco preto ibérico, conhecido localmente como porco de pata negra ou porco alentejano.

Nota engraçada: em minha pregressa ignorância enófila eu costumava confundir o Pata Negra com o Gato Negro, rótulo chileno produzido pela Viña San Pedro!

Um pouco de história

Nascida como Bodega Carabantes em 1875, a Bodegas Los Llanos possui hoje uma capacidade de produção de 60 milhões de litros de vinho ao ano, podendo ainda envasar até 100 milhões de litros. Ela possui uma das maiores caves subterrâneas do país, que podem abrigar até 30.000 barricas a doze metros de profundidade, onde é feito o envelhecimento em carvalho de toda a produção que necessita dessa etapa no processo de vinificação.

Assim como muitas outras vinícola longevas, a Bodegas Los Llanos (também chamada de Grupo de Bodegas Vinartis) se dedicou a produzir diversos rótulos ao longo de sua história. Entretanto, as linhas que vieram a fazer sua fama foram a Señorío de los Llanos e o Pata Negra, cujas garrafas da DO Valdepeñas são bastante conhecidas dos consumidores brasileiros em todas as suas versões e edições especiais. Algumas safras podem ser encontradas em elegantes embalagens, por exemplo.


Em 2008 a Bodega Los Llanos foi adquirida pelo conglomerado J. García Carrión, que detém hoje o posto de maior produtor europeu em volume (e quarto maior do mundo). Apesar de não haver interferência significativa nas operações da bodega, sua incorporação permitiu que outras vinícolas da companhia situadas em outras DOs também passassem a utilizar a força do nome Pata Negra. É por isso que hoje é possível encontrar o Pata Negra envasado também nas regiões de Rioja, Ribera del Duero, Rueda, Cava, Toro y Penedés.

O Pata Negra mais famoso, no entanto, e pelo menos para os brasileiros, continua a ser o da DO Valdepeñas, cujas variações são em sua grande maioria produzidas com a uva Tempranillo.

A Denominação de Origem Valdepeñas

A DO Valdepeñas deve sua designação à municipalidade de mesmo nome, cujo significado é "Vale de Pedras". A área desta DO é relativamente pequena quando comparada à DO La Mancha, que a envolve quase completamente.

Localização da DO Valdepeñas

O clima da região é fortemente continental, com solo de característias semiáridas e composto em sua maior parte por superfícies de areia argilosa. O alto teor de seixos e calcário propicia uma boa retenção de umidade, o que é vital nas condições escaldantes do verão espanhol na região, que possui altitude média de 700 metros acima do nível do mar.

Nos tintos, a menina dos olhos de Valdepeñas é a Tempranillo, conhecida localmente como Cencibel. Já nos brancos a casta mais proeminente é a Airén, uva resistente que se propagou na região após a devastação causada pela praga da filoxera.

Harmonização inesperada com bacalhau ao forno

O vinho degustado: Pata Negra, DO Valdepeñas 2013

Pronto para beber graças aos taninos amaciados, eu diria que o vinho é ótima pedida como coringa em conversas ou acompanhando tapas e refeições diversas.

A Tempranillo aparece na coloração mais límpida e no olfato característico de framboesa e cereja com leve especiaria, enquanto a parcela menor de Cabernet Sauvignon ajuda a aportar um resquício de fruta negra (ameixa), além de arredondar o corpo numa textura leve para médio com um quê de mineral no fim de boca. Quase não se percebe os três breves meses que o vinho passou em barris de carvalho.

Inicialmente o vinho acompanhou chips de provolone desidratado com molho picante (a "hóstia"), para em seguida fazer dueto com um bacalhau ao forno no sempre ótimo restaurante DiParma Originale. Como o bacalhau clama por algo com acidez mais acentuada a harmonização estava longe de ser uma das mais usuais, porém o almoço foi bastante agradável. Até porque a companhia do amor e a perspectiva de uma tarde preguiçosa são imbatíveis como pano de fundo para uma boa e descompromissada apreciação enófila.

Não me aventurei numa progressão vertical, mas teria sido muito interessante degustar em seguida as demais garrafas da linha Pata Negra Valdepeñas, que focam 100% na Tempranillo e vêm em versões denominadas Oro, Roble, Crianza, Reserva e Gran Reserva.

Saúde!

Finalizando a garrafa enquanto testo um crédito no jogo Rendering Ranger R2 do Super Famicom

Referências adicionais de pesquisa para este texto:
http://www.winemag.com/2015/12/08/one-name-for-all-of-spain
http://www.guiarepsol.com/es/gastronomia/bodegas/15771-bodegas-los-llanos-grupo-de-bodegas-vinartis-sa
http://www.wine-searcher.com/regions-valdepenas
http://en.wikipedia.org/wiki/Jam%C3%B3n_ib%C3%A9rico

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Vinho fora de casa - Parte 3: Pedindo vinho em taça

Vamos dar continuidade às divagações motivadas pela necessidade eventual de se limitar o consumo de vinho em restaurantes.

Na parte 1 dessa série eu divaguei sobre como administrar uma garrafa inteira (750 ml), e na parte 2 tentei elencar as inúmeras vantagens das meias garrafas. Agora vou relatar como foram minhas experiências pedindo vinho em taça.

Afinal, vale a pena?

Na minha opinião existem duas grandes vantagens teóricas em se pedir vinho em taça num restaurante. A primeira delas, obviamente, é que uma taça de 150 ml de vinho é uma medida ótima para acompanhar uma refeição simples com o adicional de incorrer em nenhum ou quase nenhum efeito alcoolico no organismo. A segunda vantagem é que vinhos em taça abrem um leque excelente de harmonização em passos, ou seja, é possível degustar um branco acompanhando a entrada, um tinto encorpado junto com o prato principal e um fortificado ao final, com a sobremesa. O vinho em taça, portanto, seria a maneira mais racional (volume e custo) de se adaptar a bebida ao menu que você pede num restaurante.

O universo de vinho em taça nos restaurantes, no entanto, esbarra em várias dificuldades de cunho comercial e cultural. Em regiões sem tradição de consumo da bebida, por exemplo, é extremamente difícil encontrar opções de vinho em taça, e quanto existente ela está restrita aos rótulos mais simples possíveis com preços que parecem excessivos. Quanto a isso não há o que fazer, pelo menos em curto prazo, e o único remédio seria se deslocar para os grandes centros. São Paulo, por exemplo, conta com um número razoável de bares e restaurantes que dispõem do serviço com boa variedade.

Do lado comercial, muitos estabelecimentos não se arriscam a oferecer o serviço com mais frequência devido às dificuldades inerentes, como o baixo giro dos vinhos abertos e o eterno dilema da conservação da bebida no sentido de impedir sua oxidação e, assim, a inevitável perda de suas características. As soluções mais eficientes, como máquinas específicas ou dispositivos inusitados projetados para servir e conservar o vinho, são as mais dispendiosas, enquanto opções baratas como o bag-in-box ficam restritas aos vinhos mais facilmente disponíveis no mercado.

O sistema virtualmente perfeito de self-service de vinhos por taça

Nota: a opção de encapsulamento em bag-in-box (BiB), apesar de bastante difundida em vários lugares do mundo, ainda não emplacou no Brasil. Eu mesmo tenho reservas quanto a ela, mas para um restaurante servindo vinhos em taça eu admito que esta pode ser uma boa opção. Existem várias supostas vantagens do bag-in-box, mas a principal delas é que ele não permite que o oxigênio entre em contato com o vinho, conservando-o por muito mais tempo uma vez que a torneirinha é aberta (o período típico pode passar de um mês). Então, para um restaurante disposto a servir vinho em taça a partir de um bag-in-box a matemática é bem simples: um bag-in-box de 5 litros rende pouco mais de 30 taças; se seu custo for de 100 reais e a taça do vinho for comercializada a 12 reais, 10 taças servidas já cobrem esse custo. Considerando o tempo em que um bag-in-box é capaz de manter a qualidade do vinho, as vantagens dessa modalidade de serviço são mais do que evidentes. Eis aqui um depoimento e uma indicação de restaurante, por exemplo.

A etiqueta de serviço de vinho em taça é outro aspecto que me chama a atenção, e nesse ponto vou ser curto e grosso: eu gosto de saber de onde meu vinho está vindo, e ver o garçom/sommelier servindo a taça na mesa a partir da garrafa é na minha opinião o método ideal. Serei chato? Tudo o que posso dizer é que visualizar a garrafa e o vinho sendo colocado na taça faz uma diferença absurda na percepção da qualidade do serviço. É claro que isso não é possível quando falamos de bag-in-box, mas num estabelecimento que se preza por um bom trabalho com vinhos em taça o bag-in-box deve ser a exceção, não a regra.

A não ser que você esteja num ambiente cujo propósito é ser um wine bar ou um restaurante verdadeiramente especializado, pedir vinho em taça nunca vai deixar de ser um risco. Seja por não sabermos há quanto tempo a garrafa está aberta, por não termos ideia de quão bem conservado o vinho está ou mesmo por não ser possível ter acesso visual à garrafa.

A seguir estão algumas das experiências que tive nessa modalidade:

Clos de Chacras, Cavas de Crianza Malbec Rosé (ARG)
Degustado no restaurante da bodega em Mendoza
A garrafa veio à mesa

O vinho foi aberto na minha frente, o que me agradou bastante. Mais fresco e seco que propriamente aromático, casou muito bem com os pães e queijos da entrada do almoço em três passos. Foi tão bom que trouxemos uma garrafa desse rosé, espero abri-la em breve!

Carmim, Olaria Tinto (POR)
Corte de 35% Castelão, 35% Aragonez (Tempranillo) e 30% Trincadeira
Degustado no restaurante Madero Steakhouse de Cuiabá
A taça veio à mesa

Não pude sentir nada de muito especial aqui, já que o vinho não se sobressaiu nem desapontou. O interessante é que aqui no Brasil o Olaria vem rotulado como um vinho suave, algo que não senti em nenhum momento. Ou os vinhos de mesa suaves portugueses estão em outro nível ou me serviram outro vinho se passando por ele. Fica a motivação para abrir uma garrafa em casa em outra oportunidade.

Domno, Quíchua Cabernet Sauvignon (CHI)
Degustado no Di Pietro Vineria & Ristorante
A taça veio à mesa

Um bom Cabernet Sauvignon, frutado e de corpo leve, o tipo de tinto seco feito para ser uma espécie de coringa em todas as ocasiões. É o primeiro vinho produzido em solo chileno com uvas do Valle Central pela importadora operada pela Casa Valduga, sendo distribuído em garrafas de 750ml e bag-in-box de 3 e 5 litros.

Depois destas experiências, eu diria que a opção de vinho em taça nos restaurantes é uma boa pedida quando você estiver sozinho ou em companhia de amigos que optaram pela cerveja ou pelo suco. No entanto, preciso ser sincero e dizer que ela nunca será minha alternativa favorita, pelo menos aqui em Cuiabá.

Outras leituras interessantes sobre o tema:
http://tudoconformeeumesmo.com/tag/vinho-em-taca
http://guides.wsj.com/wine/dining-with-wine/10-pointers-for-restaurants-with-wine-service

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Decanter × Temperatura

O eterno dilema sobre a correta temperatura de serviço do vinho é muito mais fácil de ser trabalhado em lugares de temperatura mais amena.

Certo?

Certíssimo, eu diria.


A observação acima é uma das várias que me ocupam a mente quando penso em temperatura de serviço. E como as coisas tendem a ficar mais claras depois que você passa a se dedicar com mais atenção aos vinhos que toma, cheguei à conclusão de que precisarei incluir mais um apetrecho ao meu arsenal enófilo.

Mas antes vamos discorrer um pouco sobre o tema.

A temperatura de serviço do vinho é um dos fatores mais importantes em sua apreciação

Ao ignorar os critérios de temperatura estabelecidos durante séculos de consumo da bebida, é possível destruir completamente a experiência de degustação de uma boa garrafa. Vinho muito quente e vinho branco servido como tinto são as patacoadas mais comuns. Os aromas somem, o álcool predomina e a decepção se instala. Temperaturas muito baixas também são ruins no caso de tintos, mas nesse caso as consequências são menos severas.

O cenário ideal para saborear um vinho tinto em sua plenitude exige temperatura ambiente compatível com sua natureza (um Cabernet servido em temperatura ambiente de 18 a 20º, por exemplo).

Em quase um ano e meio de dedicação enófila tenho notado consistentemente que a maior parte dos vinhos tintos dos quais tive uma melhor apreciação são os que foram degustados em ambiente de reduzida temperatura ambiente (para o padrão ao qual estou acostumado), sem qualquer influência externa no sentido de reduzir e manter sua temperatura nos níveis ideais. Com decanter ou sem decanter, não importa.


O decanter é ótimo para deixar o vinho “respirar”, mas a bebida sofre quando em temperatura ambiente elevada (o que acontece 95% do tempo no lugar onde vivo)

Não é preciso estar muito atento para perceber que a sensação tátil do vinho se altera ligeiramente para pior quando ele é degustado vagarosamente enquanto a garrafa ou o decanter têm sua temperatura equalizada a condições ambientes muito superiores à temperatura de serviço da bebida. Ao atingir uma temperatura mais elevada o vinho passa a apresentar uma sensação de “quentura” devido ao predomínio sensorial do álcool. A maciez dá lugar à rugosidade, e quando existente o equilíbrio se perde.

No calor que predomina em Cuiabá durante a maior parte do ano, manter e apreciar um vinho tinto na temperatura ideal não é uma tarefa fácil. Quando sinto que o vinho não precisa ser aerado, a minha alternativa é usar uma das melhores bugigangas enófilas que já comprei (hoje sei que é ótima para tintos, nem tanto para brancos). Já quando a aeração se torna uma necessidade, seja por noção prévia (abro e já vai pro decanter) ou por percepção inicial (vai pro decanter depois da primeira prova), o paliativo usual é levar o decanter à geladeira depois de algum tempo para tentar amenizar o inevitável ganho de temperatura do vinho.

Nota: nunca usei meu decanter com a função pura de decantar, ou seja, retirar os sedimentos de um vinho; todas as alegrias que ele já me deu se restringiram a amaciar garrafas potentes e nervosas.

Não é porque o ritual de socialização é bonito que o vinho fica mais gostoso quando compartilhado, mas sim porque a temperatura não sobe o suficiente para afetar a bebida de forma negativa

Ora bolas, a garrafa “vai embora” mais rápido!
Não é mesmo?


Enfim, depois de pensar bastante sobre o assunto e sobre como contornar o problema do aumento de temperatura do vinho quando colocado no decanter, decidi agregar mais um item ao meu conjunto de acessórios, como mencionei mais acima. Assim que ele chegar vou fazer uma postagem dedicada, atestando ou reprovando sua eficácia.

Por enquanto, deixo aqui dois links com mais informações e alguma discussão válida sobre o tema:
http://www.chowhound.com/post/squaring-decanting-correct-temperature-serving-red-wine-865772?page=2
http://www.thewinecellarinsider.com/2012/03/decanting-wine-when-how-and-why-to-decant-wine