terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Mistérios acerca da Pinot Noir

De todas as castas de uvas viníferas utilizadas para a produção de vinhos calmos ao redor do mundo, poucas são tão difíceis de serem cultivadas e apreciadas como a Pinot Noir. De manejo sabidamente difícil e mais custoso que as outras castas tintas, esta singela uva de tamanho pequeno e pele frágil é frequentemente mencionada para os neófitos como sendo fonte segura de vinhos de corpo leve, de baixo teor tânico e "fáceis de beber" (não gosto desta expressão estúpida, por sinal).

O problema é que depois de algumas garrafas fica muito claro que a verdade não é bem essa. A probabilidade, aliás, é que muita gente se depare com garrafas de Pinot Noir que vão totalmente contra as características citadas acima, e com tal frequência que algumas pessoas até desanimam de tentar compreender a pobre Pinot.


Alguns dias atrás me peguei fazendo a seguinte pergunta: por que é tão difícil encontrar vinhos que utilizam a Pinot Noir em blends?

Estou obviamente excluindo a categoria dos espumantes, na qual a Pinot é parceira de gala juntamente com a Chardonnay e a Pinot Meunier. O fato é que jamais cheguei a ver um assemblage não-espumante, seja do velho ou do novo mundo, que tenha em sua composição um pouco que seja de Pinot Noir acompanhando Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Grenache e afins. Desafio qualquer pessoa a encontrar tal blend, e se encontrar peço encarecidamente que me encaminhe nos comentários alguma referência de onde eu possa comprar a garrafa.

Pois bem, depois de pesquisar um pouco cheguei a algumas informações que acho interessante registrar, para fixação e futura referência.

A principal resposta para o mistério de porque a Pinot Noir é sempre engarrafada como um vinho varietal é também a mais óbvia. Décadas de experiência nos mais diferentes métodos de vinificação levaram à conclusão de que combinar a Pinot com qualquer outra casta é algo que simplesmente não funciona. Existe a ideia de que o cultivo desta uva é algo que demanda equilíbrio ímpar e um senso mais forte de lugar/terroir, e que acrescentá-la a um corte extingue ou transforma tal objetivo em algo impossível.

Nooooooooooooo...

O fato da Pinot Noir ser uma casta extremamente sensível é outra característica a ser levada em consideração. O simples desejo do viticultor de obter um bom varietal desta uva passa por etapas críticas que cepas mais robustas suportam com muito mais facilidade. O teor de carvalho a ser usado na vinificação da Pinot é provavelmente o aspecto mais polêmico, assim como o são a duração da fermentação e a opção de um período de pré-maceração. Temperaturas mais frias conduzem a menos corpo e aromas mais frescos, enquanto fermentações mais quentes e longas resultam em vinhos mais vigorosos e de maior estrutura tânica. Imaginem ter que lidar com tantas variáveis para depois não obter os resultados desejados ao se fazer a mistura do blend. É por isso que o tradicional corte bordalês se tornou uma regra de vinificação praticamente infalível, e também porque é muito mais fácil para qualquer produtor errar a mão num Pinot Noir do que num Cabernet Sauvignon ou num Merlot.

Devo confessar que minhas experiências com a Pinot Noir se dividem entre o antes e o depois de meu renascimento como enófilo. Lembro de ter provado e gostado de várias garrafas de Pinot Noir em minha rotina pregressa, mas desde que me lancei neste mundo enófilo ainda não encontrei aquela Pinot Noir que marcasse meu paladar de um modo que eu possa classificar como acima da média. Teria eu simplesmente tido sorte em meu passado leigo ou minha memória me prega peças? Neste ano que passou, ou os Pinot Noir que tomamos eram somente corretos e sem atrativos olfativos/gustativos de nota ou eles simplesmente se mostravam desequilibrados, seja num aspecto demasiadamente aguado (como o francês Fraçois Labet Ile de la Beauté VdP, figurinha fácil nas cartas de vinho dos restaurantes da cidade) ou excessivamente acarvalhado (o norteamericano Bridlewood Monterey County, por exemplo).

Bridlewood Monterey County Pinot Noir 2012

Tenho perfeita ciência de que o berço original da Pinot Noir é a super-hiper-mega badalada região francesa da Borgonha, ou Bourgogne no idioma do finado diretor underground Jean Rollin. A regra dita que todos os vinhos tintos da Borgonha são feitos com 100% de Pinot Noir, e sendo assim é natural concluir que os melhores Pinots vêm de lá. O grande problema é que os melhores vinhos da Borgonha têm preços completamente fora da casinha - são aqueles que se enquadram nas famosas appellations que nem mesmo chegam a trazer o termo Bourgogne no rótulo. E se há um Bourgogne no rótulo devemos ter em mente que apesar dos preços mais acessíveis estamos diante de um engarrafamento regional, desprovido de senso de terroir e muito provavelmente produzido a partir de colheitas de vários produtores. Enfim, um vinho de qualidade inferior.

Se o vinho francês é muito caro ou mesmo complicado de se entender, o novo mundo se mostra um pouco mais receptivo para quem deseja se aprofundar no universo da Pinot Noir. Basta focar nossos esforços em exemplares provenientes de regiões demarcadas, que costumam aparecer nos rótulos de AVAs, DOs ou DOCs acompanhadas de indicações de terroir ou com uma designação de Single Vineyard. A probabilidade de ficar na mão é maior em apelações genéricas como California ou Valle Central, muito embora isso não seja regra (como no caso do Bridlewood mencionado acima). Mas vamos admitir, é muito mais fácil se deparar com um Sauvignon Blanc de qualidade do que com um Pinot Noir de igual calibre em denominações genéricas.

Não posso esquecer também dos Spätburgunder alemães (é desse jeito que a Pinot Noir é chamada na terra de Werner Herzog), que ouvi dizer por aí que são muito bons. Nunca provei um, mas qualquer dia vai.


Para finalizar, um fato interessante que descobri é que a Borgonha não é feita somente de Pinot Noir. Sim, claro, a região compreende também a área de Beaujolais e seus ainda mais polêmicos vinhos feitos com a uva Gamay. Entretanto, apesar dos tintos da Borgonha serem todos elaborados a partir de Pinot Noir, a verdade é que as vinícolas cultivam também outras variedades que podem entrar na composição da AOC Bourgogne Passe-tout-grains (que-passem-todas-as-uvas). As duas cepas principais, Pinot Noir e Gamay, podem ser misturadas a Chardonnay, Pinot Blanc e Pinot Gris provenientes dos mesmos vinhedos que produzem os rótulos de maior renome. Trata-se porém de um blend teoricamente leve, brilhante e feito para consumo rápido.

Não faço a mínima ideia de quanto custa um Bourgogne Passe-tout-grains, mas vou ficar de olho entre uma e outra garimpada em busca da melhor Pinot Noir que puder degustar. Atualmente minha busca pessoal é por um Pinot com perfil mais frutado, sem passagem por carvalho ou com muito pouca madeira, que seja quase imperceptível e não influencie o paladar. É uma busca que tem a probabilidade de me levar a exemplares mais aguados do que desequilibrados, mas eu assumo o risco. Além disso, aparentemente existem experiências de corte entre Pinot Noir e Syrah feitas na Califórnia, na Suíça, na Nova Zelândia e na Austrália. Vou ficar de olhos bem abertos!

Referências de pesquisa para este texto:
http://www.wine-searcher.com/grape-384-pinot-noir
http://vinepair.com/wine-blog/myth-busted-pinot-noir-is-not-the-only-grape-that-is-legal-for-making-red-wine-in-burgundy
http://www.winespectatorweekly.com/drvinny/show/id/5036
http://www.steveheimoff.com/index.php/2012/10/24/pinot-noir-to-blend-or-vineyard-designate
http://www.wine-searcher.com/grape-1921-pinot-noir-syrah

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

ClubeW Classic - Uma Retrospectiva para 2015

Logo que comecei a me interessar mais pelo mundo dos vinhos uma das primeiras coisas que fiz foi aceitar o convite do Anderson Mendes para entrar para o clube de vinhos da wine.com.br. E eu entrei logo para a categoria Classic, o nível intermediário que foi, originalmente, a linha com a qual a empresa se inseriu no mercado online de vinhos.

Como aderi ao clube exatamente em Janeiro deste ano, vou recapitular agora todas as seleções de 2015. Compartilho impressões marcadas pelo tempo e pela vivência que foi sendo construída aos poucos com muita pesquisa, leitura e, claro, degustações.

Janeiro - Mommessin (França)
  → Fleurie Réserve 2011
  → Beaujolais-Villages Réserve 2013

Com um paladar ainda muito pouco familiarizado com vinhos, não sei o que dizer exatamente desta primeira experiência com a Gamay. Não tenho muitas coisas a declarar dos vinhos em si, distribuídos pelo que parece ser um negociante de vulto da região de Beaujolais, mas ambas as garrafas foram provadas em ambiente descontraído. Isso certamente ajudou na apreciação.

Mommessin, Fleurie Réserve 2011

Fevereiro -  Neethlingshof (África do Sul)
  → Neethlingshof, Chenin Blanc, WO Stellenbosch 2014
  → Neethlingshof Estate, Pinotage, WO Stellenbosch 2014

Pode-se dizer que ambos os vinhos são bastante representativos de suas respectivas castas. O Pinotage nos chamou muito a atenção pela presença característica de fumaça e defumado, e o Chenin Blanc mostrou que pode muito bem se igualar ou superar as uvas brancas mais famosas com seu corpo leve e os amoras minerais, cítricos e de grama molhada.

Neethlingshof, Chenin Blanc, WO Stellenbosch 2014

Março - Barahonda Bodegas (Espanha)
  → Barahonda Sin-Madera, Monastrell, DO Yecla 2011
  → Barahonda Barrica, Monastrel-Syrah, DO Yecla 2011

Ainda não provamos o Barrica, mas o Sin-Madera foi devidamente apreciado numa rodada de entradas de um restaurante do qual gostamos muito. Esta foi também nossa primeira experiência com a Monastrell/Mourvédre, sendo que o que mais chamou a atenção foi a coloração pálida, bastante brilhante do vinho. Agradou no paladar, mas não conseguimos identificar muitos aromas. O Barahonda Sin-Madera foi também a primeira postagem que arrisquei a fazer na minha então recém-criada conta de Instagram.

Barahonda Sin-Madera, Monastrell, DO Yecla 2011

Abril - Fantinel (Itália)
  → Fantinel Selezione di Famiglia Cabernet Sauvignon, Friuli Grave DOC 2012
  → Fantinel Selezione di Famiglia Merlot, Friuli Grave DOC 2012

Meu conhecimento dos vinhos italianos ainda era bastante incipiente quando decidimos degustar os exemplares varietais da Fantinel, feitos com duas das uvas mais tradicionais do velho mundo. Meu favorito foi o Cabernet Sauvignon, que ousei harmonizar com churrasco contra o desejo de muita gente presente a este evento caseiro. Tudo o que posso dizer é que quem não provou não sabe o que perdeu, pois a combinação funcionou muito bem. O Merlot também agradou porém em menor escala, ao ser degustado com uma pizza em noite fora de casa.

Fantinel Selezione di Famiglia Cabernet Sauvignon, Friuli Grave DOC 2012

Maio - Viña Las Perdices (Argentina)
  → Partridge Gran Reserva Bonarda, Mendoza 2012
  → Partridge Gran Reserva Malbec, Mendoza 2012

Posso seguramente dizer que o Bonarda foi uma das primeiras grandes experiências que tive com vinho. Depois de descansar na taça após os primeiros goles ele "abriu" de maneira fantástica, mostrando-se aveludado de uma forma que minha esposa e eu ainda não tínhamos provado em nenhum vinho até então. Fascinante, para dizer o mínimo. O Malbec também foi bom, mas sem a pegada do Bonarda. Um fato interessante que notei sobre a Las Perdices é que esta se trata de uma vinícola de grande projeção na região de Mendoza, visto que seus vinhos figuram de maneira bastante proeminente nas cartas dos restaurantes mendocinos. Esta aí um indicativo importante de qualidade tanto lá quanto aqui, afinal a linha Partridge foi desenvolvida especialmente para o ClubeW Classic.

Partridge Gran Reserva Bonarda, Mendoza 2012

Junho - Viña Ventisquero (Chile)
  → V9 Gran Reserva Single Vineyard Carmenere, Valle del Maipo 2012
  → V9 Gran Reserva Single Vineyard Cabernet Sauvignon, Valle del Maipo 2012

Dois vinhos de muita qualidade desenvolvidos especialmente para o clube. Ambos levam 90% das castas presentes nos rótulos (o Carmenere tem 10% de Cabernet Sauvignon e vice-versa). O Carmenere em especial se mostrou fantástico: perfumado, aromas de frutas vermelhas e ameixa, medianamente encorpado e aveludado, classudo do início ao fim. Não é à toa que a Ventisquero é uma das vinícolas chilenas das quais mais gostamos!

V9 Gran Reserva Single Vineyard Cabernet Sauvignon, Valle del Maipo 2012

Julho - Edna Valley e Bridlewood Winery (Estados Unidos)
  → Edna Valley Pinot Noir, Central Coast 2013
  → Bridlewood Cabernet Sauvignon, Paso Robles 2012

Abrimos o Pinot Noir numa noite de Sábado para acompanhar uma conversa de família. O vinho atendeu as expectivas despretensiosamente, ainda que não mostrasse nenhum diferencial a mais. A Pinot Noir é provavelmente a casta mais difícil de se acertar no processo de vinificação, algo que tenho descobrido aos poucos. Quanto ao Cabernet Sauvignon, por enquanto segue descansando na adega.

Edna Valley Pinot Noir, Central Coast 2013

Agosto - Gérard Bertrand (França)
  → Gérard Bertrand - Cross Series Gran Terroir AOP Tautavel 2013
  → Gérard Bertrand - Cross Series Gran Terroir La Clape 2013

Provei apenas o La Clape até agora. Ainda não tenho muita afinidade com vinhos franceses, mas este se mostrou encorpado, com taninos presentes e aromas de frutas maduras. A julgar pela boa presença de Gérard Bertrand nas listas de recomendações da revista Decanter, está aí uma boa dica de bom produtor para começar a se familiarizar com os vinhos da região de Languedoc-Roussillon.

Gérard Bertrand - Cross Series Gran Terroir La Clape 2013

Setembro - Herdade do Esporão (Portugal)
  → Duas Castas, Alentejo 2014
  → Quatro Castas, Alentejo 2013

O primeiro a ser apreciado foi o Duas Castas (60% Arinto e 40% Gouveio), que harmonizou de maneira magnânima com um bacalhau ao forno preparado por minha esposa. Aromático e elegante, é uma boa variação dos Vinhos Verdes que costumam preencher nossa rotina quando se trata de brancos portugueses. O Quatro Castas (Touriga Franca, Syrah, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet, em partes iguais) foi provado e aprovado recentemente, inclusive caindo nas graças de visitas que não têm o costume de tomar vinho. Foi nesta oportunidade que participamos também do primeiro "encontro" da confraria virtual da comunidade Viva o Vinho (website, Facebook, Instagram).

Duas Castas, Alentejo 2014

Outubro - Allesverloren (África do Sul)
  → Allesverloren Tinta "Barocca", WO Swartland 2014
  → Allesverloren Touriga Nacional, WO Swartland 2014

Nem em Portugal parece ser tão fácil encontrar varietais das uvas autóctones do país, como as que chegaram nessa seleção. Dos dois o que já provamos foi o Tinta Barroca, marcado por paladar medianamente encorpado e olfato de frutas compotadas. Não brilhou, mas desceu bem ao acompanhar massa ao molho vermelho.

Allesverloren Tinta "Barocca", WO Swartland 2014

Novembro - Barahonda Bodegas (Espanha)
  → Tranco, DO Yecla 2011
  → Campo Arriba, DO Yecla 2012

O sucesso da seleção de Março da Barahonda Bodegas foi o que aparentemente levou a Wine a confiar mais uma vez na vinícola. Os dois vinhos de Novembro voltam a ser baseados principalmente na Mourvédre, recebendo parcelas menores de cepas como Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet. As garrafas estão descansando, mas posso seguramente dizer que a expectativa é boa para quando formos degustá-las.


Dezembro - Santa Rita (Chile)
  → Medalla Real Gold Medal Limited Edition Cabernet Sauvignon, Valle del Maipo 2011
  → Medalla Real 1987 Retro Edition Carmenere, Valle de Colchagua 2012

Vinícola bastante conhecida de todos os brasileiros com um mínimo de conhecimento enófilo, a Santa Rita apresentou na última seleção do ano dois rótulos preparados especialmente para o clube, tal qual o fizeram a Las Perdices em Maio e a Ventisquero em Agosto. Estando inseridos dentro da linha Medalla Real Gran Reserva, ambos envelhecem por cerca de um ano em barricas de carvalho. Minha apreciação pessoal pela Carmenere já me deixa com água na boca, então agora é só esperar o momento para abrir as garrafas.



Nas últimas semanas estive pensando seriamente em me desligar no ClubeW. Nada contra a qualidade dos vinhos, é que eu queria focar mais em minhas próprias escolhas para abastecer a adega. Aí minha esposa me convenceu a continuar, e fiquei matutando se deveria debandar para o ClubeW One.

Então peguei-me pensando em como a Wine pode preencher algumas de minhas necessidades de aprendizado... A Carmenere tem ganhado bastante espaço nos tintos, muito em parte graças a um rótulo que veio pelo clube. Eu absolutamente não me sinto à vontade para comprar vinhos franceses (e em menor grau portugueses, com exceção de Vinhos Verdes), então os que vieram pela Wine foram muito bem-vindos.

Enfim, acho que vou ficar mais um tempo no ClubeW Classic. A todos os que, como eu, são participantes de algum dos clubes da wine.com.br, vai aqui um sincero brinde a todas as seleções que estão por vir!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Essas tais propriedades organolépticas e seus desdobramentos

Em meio a tantas informações e experiências às quais nós enófilos estamos sujeitos, uma das coisas que mais me intriga é a avaliação sensorial de vinhos, principalmente no que diz respeito à dita imprensa especializada.

Avaliar sensorialmente uma garrafa que acaba de ser aberta, em teoria, não deveria ser algo tão complicado, mas é. O horror para um enófilo iniciante é ser desafiado a descrever o vinho que está tomando.

Sim, claro, quanto mais escuro o tinto maior a probabilidade dele ser encorpado. O que se espera dos aromas são sensações que permeiam o nariz como perfumes de pomar em pleno outono. Álcool rascante denota desequilíbrio, veludo na boca é como a descoberta de uma pedra preciosa. Escrever é bem mais fácil que declamar, mas mesmo assim sabemos que há muito mais que isso e que existe uma infinidade de fatores que influenciam nossa percepção sensorial.


Muito se ouve e se lê acerca das propriedades “organolépticas” de um vinho, por exemplo. Que diabos seriam essas tais propriedades organolépticas? A definição clássica diz que trata-se das características dos materiais que são capazes de imprimir sensações aos órgãos dos sentidos, ou seja: visão, olfato, paladar, tato e audição. Logo que comecei a ler sobre vinhos me deparei com o termo, mas admito que seu real significado demorou para se solidificar em minha mente.

Considerando que meu olfato e meu paladar são diferentes dos seus, leitor, e dos da minha avó ou do meu agente de viagens, é factível concluir que nem sempre nossas percepções serão as mesmas. O que você percebe como sendo defumado pode ser interpretado como tostado ou enfumaçado por outra pessoa. Cereja, amora, groselha, mirtilo. Abacaxi, maracujá, toranja, limão. O que de fato é capaz de diferenciar um aroma do outro?

O que está dentro de nossas taças, afinal, é nada mais que o resultado da fermentação de uvas viníferas (em sua maior parte, pelo menos), pois é óbvio que os viticultores não adicionam aromatizantes ao néctar que tanto amamos. Seria um escândalo, não? Portanto as sensações que sentimos vêm dos milhares de compostos químicos presentes no vinho, que por associação com nossa memória olfativa nos fazem lembrar de aromas ou gostos familiares.


A primeira vez em que ouvi uma explicação interessante sobre “organoléptico” e “memória olfativa” foi dada pela guia da visita que fizemos à Concha y Toro em Santiago, e por essa explicação sempre serei grato à moça: a sensação olfativa percebida numa taça de vinho é algo que varia de pessoa para pessoa, exatamente devido aos fatores organolépticos envolvidos. E se os seus sentidos estão alterados, eles com certeza irão alterar as percepções organolépticas dos vinhos que tomamos.

Da afirmação acima é possível derivar algumas outras, como por exemplo:
  1. O óbvio: quanto mais rica for sua memória olfativa, mais interessante e rica será a sua avaliação sensorial.

  2. Tudo o que você come ou bebe antes de beber uma taça de vinho influencia em sua percepção. Tudo. Cafezinho da tarde, escovar os dentes, frituras do lanche, comidas variadas. E lavar a boca e a garganta com água nem sempre é suficiente para “zerar” o paladar. O mesmo vale para as condições de saúde (resfriado, garganta coçando, azia de ontem, afta, dor de cabeça), que podem comprometer ou até pôr a perder completamente a experiência de degustação.

  3. O vinho que está maravilhoso hoje pode passar despercebido amanhã. A harmonização que funcionou maravilhosamente no almoço do mês passado pode não ser tão bem-sucedida no próximo fim de semana, mesmo que o vinho e o prato sejam os mesmos.

Um delicioso teste para nossas percepções organolépticas!

Observem que eu nem cheguei a entrar nos meandros de temperatura, formato da taça ou arejamento do vinho para amaciamento do álcool. Desconsiderando estes e outros fatores que indiretamente afetam a percepção organoléptica, até que ponto é possível confiar na avaliação de uma revista dita especializada?

Quantas foram as vezes em que nós, ansiosos para aprender mais sobre o tema, nos deparamos com percepções absolutamente distintas daqueles floreios de múltiplas linhas escritos por alguém com suposto conhecimento de causa? Como diferenciar a promoção sem-vergonha de um vinho sem muitos atrativos de uma avaliação genuína? Como separar o que é pura encheção de linguiça da informação que realmente importa? Será que o enólogo ou o Master of Wine estavam num dia bom quando fizeram a degustação? Olhem bem, se seu ganha-pão é avaliar vinhos é bem provável que existam momentos em que você não estará em plenas condições de exercer seu ofício, mas terá que fazê-lo pelos mais variados motivos. E nesse momento o enojornalismo parece ensaiar um encontro com a astrologia, porque essa é a impressão que tenho quando leio múltiplas avaliações de vinhos num curto espaço de tempo.

Mais uma deliciosa prova para nossas memórias olfativas!

Esta postagem já está comprida demais e divagar muito além disso seria como abrir uma Caixa de Pandora, então paro por aqui e faço algumas observações finais.

  • Já provei muitos vinhos sem estar em plenas condições para uma boa avaliação sensorial, seja por estar gripado, ter bebido café, ter comido paçoca pouco antes do ato ou estar com o paladar simplesmente saturado. Aos poucos passei a ter mais consciência disso, e se por algum motivo ainda sou levado a incorrer no mesmo “erro” (nunca se sabe quando a oportunidade vai surgir, né?), imediatamente reduzo minha expectativa sobre a garrafa que está prestes a ser aberta.

  • Regra: considerando que minhas condições organolépticas estejam em ordem, não tenho medo de arriscar vinhos desconhecidos ou de provar harmonizações inusitadas. É exatamente nestes momentos em que acredito estar verdadeiramente educando meu paladar.

  • Pontuações numéricas de vinhos não me interessam, avaliação descritiva é o que realmente importa. 97 points by Robert Parker? Dada a subjetividade e a variabilidade envolvida na degustação de um vinho, a única coisa sensata a se dizer sobre esse sistema de 100 pontos é que ele é estúpido. Não passa de balela sem-vergonha de marketing. O sistema de 20 pontos talvez seja menos estúpido, porém nunca superará uma boa e sincera descrição.

  • Se eu tiver que optar por um estilo de avaliação, acho mais confiáveis aquelas do tipo que a revista Decanter faz em seu Panel Tasting, onde a nota final é a média da avaliação cega de três pessoas teoricamente gabaritadas no tema em questão, acompanhadas das notas de degustação dos três profissionais no caso dos melhores vinhos. Isso reduz a margem de erro por inaptidão ou por conflito de interesses.

  • Beber por beber jamais. Contexto é tudo. Uma ou mais companhias, uma experiência, um evento, um desafio. Isso agrega muito e é capaz de transformar mesmo as garrafas menos memoráveis em gratas lembranças. É como alguém já disse um dia... There are no great wines, just great bottles.


Vamos todos exercitar nossos sentidos!

Saúde!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Liver, fava beans and a nice Chianti

Sendo cinéfilo inveterado desde que me entendo por gente, uma das memórias mais antigas que tenho relacionada a filmes e vinhos é uma frase infame dita pelo personagem Hannibal Lecter, interpretado por Anthony Hopkins no filme O Silêncio dos Inocentes.

A passagem é dita numa das emblemáticas interações entre o famigerado canibal e a obstinada agente do FBI feita por Jodie Foster:


I ate his liver with some fava beans and a nice Chianti.

Tradução:

Eu comi o fígado dele com favas e um bom Chianti.

A frase acima é marcante também pelo gesto de provocação (ou seria deboche?) que Hopkins faz após entregar sua fala, como se estivesse sugando algo através dos dentes.

Vejam ou relembrem abaixo:


Depois de tanto tempo sem assistir ao filme pouco importa o contexto em que a passagem acima se encaixa no roteiro. Mas é por causa dessa frase em particular que eu nunca vou conseguir desfazer a associação do famoso vinho italiano da Toscana com fígado e favas. Simplesmente não dá, é só falar ou pensar em Chianti que a imagem e a fala de Hopkins me vêm à mente...

Talvez algum dia eu tenha a chance de experimentar a inusitada harmonização, obviamente trocando fígado humano por fígado bovino!

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Finca Agostino - Mendoza, Argentina

Os dois últimos dias de minhas férias mais recentes foram dedicados à visitação de várias vinícolas da região de Mendoza, na Argentina. Meca da produção vitivinícola do país e conhecida pela aclamada qualidade dos vinhos da variedade Malbec, Mendoza é hoje o principal foco enófilo na nação dos nossos hermanos, concentrando uma quantidade impressionante de bodegas grandes e pequenas em suas cercanias. Atualmente é um dos destinos turísticos mais visitados por enófilos de todo o mundo.

A Finca Agostino foi a última vinícola/bodega em nosso roteiro. Situada na sub-região de Maipú, ela também produz os rótulos da linha Telteca e conta com instalações de tamanho e produção considerável, além de uma loja/winebar e um fantástico restaurante. Há ainda um casarão que está prestes a se tornar um hotel de luxo, conforme informação obtida na época de nossa visita (final do inverno, em Agosto).

A visita foi exclusiva, agendada antecipadamente. Ao chegar, minha esposa e eu fomos imediatamente recepcionados para o início do passeio. Depois de observamos a extensão da propriedade a partir do deck de madeira localizado sobre a loja e fazermos muitas perguntas, nossa guia nos conduziu através de toda a instalação de vinificação, da área externa onde as uvas são recebidas até os tanques e barricas onde os vinhos são envelhecidos.

A degustação acabou acontecendo durante o próprio almoço, um menu de cinco etapas e cinco harmonizações diferentes. É um almoço nada barato, mas o serviço vale muito a pena pelo requinte e pelo ótimo atendimento. Foi a refeição perfeita para encerrar as férias na Argentina.

Confiram a seguir um pouco da herança fotográfica que trouxemos de nossa experiência na Finca Agostino.

Chegando à Finca Agostino

Vista para os belos jardins da recepção

A cordilheira ao fundo e os parreiras dormentes ao final do inverno

Momentos da visitação

Mantendo o semblante de seriedade no início do almoço, depois de já ter passado por degustações em duas outras vinícolas

O menu de 5 passos do almoço

O prato principal, harmonizado com o vinho Agostino Familia Gran Reserva 2012, um elegante corte de Malbec (40%), Petit Verdot (30%), Cabernet Sauvignon (15%) e Syrah (15%)

Uma das entradinhas, mais um flagrante de olhar típico de caboclo alcoolizado
(como já mencionei, deve-se considerar que outras duas vinícolas já tinham sido visitadas no mesmo dia...)

Antes e depois da lauta refeição

Depois de toda a visita e do almoço ainda houve espaço para degustarmos mais alguns rótulos na loja antes de voltarmos ao hotel para nos recuperar da farra enófila.

Como já vínhamos fazendo, escolhemos duas garrafas para trazermos de lembrança. Elas já foram devidamente saboreadas, e por isso mesmo este texto está sendo publicado. Abaixo algumas notas rápidas de degustação:

Agostino Família Blanco 2013 (80% Semillón, 20% Sauvignon Blanc)
80% do Semillón estagiou por um ano em barricas de carvalho americano e francês
Envelhecimento em garrafa por mais seis meses

Branco encorpado, austero e potente, daqueles que parece muito mais um vinho tinto do que um branco propriamente dito. Aromas amanteigados, de coco e de bauninha muito bem integrados ao carvalho que emana da taça. Foi harmonizado com bacalhau no restaurante Taberna Portuguesa, em noite de rolha livre.

Agostino Inicio Torrontés 2014

Vinho bastante aromático, como é característico da casta. No nariz nuances cítricas, na boca extremamente fresco. Foi degustado como acompanhamento para uma uma barca de sushi e sashimi, mas pode perfeitamente servir de tira-gosto para uma conversa descompromissada de fim de tarde.

Nota: a importadora dos vinhos da Finca Agostino era a Vinho Sul, que infelizmente interrompeu suas atividades no início de 2015. Tentei encontrar alguma informação online sobre uma nova distribuidora, mas infelizmente não consegui.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Alternativa tecnológica ao Balde de Gelo

Já há algum tempo eu vinha procurando uma alternativa ao balde de gelo para resfriar meus vinhos brancos. Nada contra o bom e velho balde de gelo em si, cujo charme ainda é imbatível num serviço de brancos e espumantes. Mas como no meu caso a logística caseira de se obter e armazenar gelo muitas vezes não é fácil, qual seria a melhor alternativa ao paliativo safado de ficar retornando a garrafa à geladeira a cada taça servida?

Escolhendo o modelo do novo acessório

Depois de muito pesquisar cheguei ao wine chiller modelo Pro RPC175WS, do fabricante Waring.

Comparando este modelo com o PC100, achei-o superior porque aparentemente a garrafa fica mais envolvida pelo equipamento quando este está em funcionamento (no PC100 uma área considerável abaixo do gargalo fica fora da zona de resfriamento). Também decidi não pegar o modelo top de linha PC1000 porque fiquei com medo dele não conseguir fechar apropriadamente as charmosas porém compridas garrafas alsacianas.


Aquisição

Efetuei a compra via Internet no site da Amazon em 4 de Novembro e recebi a caixa cinco dias depois (9 de Novembro). Detalhe: sou cliente da Amazon há anos e só tenho coisas boas a dizer do serviço da empresa. Notem a excepcional rapidez na entrega, por exemplo.

E então, funciona ou não?

Conduzi uma série de testes para aprender a operar o equipamento e avaliar sua performance. Em todos eles acionei o chiller a partir de uma condição de repouso, ou seja, sem que ele tenha sido ligado por pelo menos um dia e com as placas térmicas em temperatura ambiente.

Cousiño-Macul, Gris Cabernet Sauvignon 2014
Vinho de teste

Teste 1: Uma garrafa do rosé Gris Cabernet Sauvignon 2014 da Cousiño-Macul, direto da adega para o wine chiller. A temperatura inicial do vinho indicada pelo chiller foi de 23ºC, e a temperatura-alvo ajustada foi 9ºC (que corresponde ao valor para Chardonnay). O tempo de resfriamento total foi de 50 minutos.
No começo

No final, após 50 minutos

Achei estranha a diferença de praticamente 10ºC entre a temperatura que estava indicada na adega climatizada e a temperatura inicial do vinho medida pelo wine chiller. Mesmo sabendo que a temperatura da adega refere-se ao ar ambiente interno e não aos vinhos em si, decidi descer os brancos para uma área mais fria e reduzi o setpoint de acionamento do compressor de 12,5ºC para 10ºC. Em tempo: a adega é o modelo Basique 40 da Art Des Caves.

Teste 2: Dia seguinte, mesma garrafa, direto da adega para o wine chiller. Desta vez a temperatura inicial do vinho indicada pelo equipamento foi ainda maior, de 25ºC! O tempo de resfriamento até os 9ºC foi, no entanto, de 41 minutos.

Conforme o manual do fabricante e como eu também pude perceber a partir dos dois testes, o tempo total de resfriamento até a temperatura desejada depende de vários fatores mas principalmente da temperatura prévia do vinho e da temperatura ambiente (que por sua vez afeta a temperatura prévia do equipamento). Não é segredo para ninguém que as condições ambientes de Cuiabá não são nada favoráveis a temperaturas baixas ou amenas, daí o motivo do equipamento identificar uma temperatura inicial tão alta para o vinho (quando na verdade essa temperatura é influenciada por suas própria placas). A redução de 10 minutos no tempo de resfriamento provavelmente vem do armazenamento mais frio na adega climatizada.

Como não sou de ferro, após o teste 2 a garrafa foi aberta para ser degustada. O aroma refrescante preencheu a taça, seguido por paladar leve e finalização breve, de ligeiro amargor. Foi degustado sem acompanhamento, mas acredito que deva ser um ótimo parceiro para saladas ou massas em geral.

Teste 3: Garrafa de vinho 100% Syrah, direto da adega. Ajuste-alvo de 18ºC, temperatura inicial detectada de 26ºC e tempo total de resfriamento de 10 minutos. Em seguida iniciei o resfriamento de uma garrafa de Chardonnay também retirada diretamente da adega. Desta vez a temperatura inicial detectada foi de 16ºC, com tempo total de resfriamento de 28 minutos até o setpoint de 9ºC.
Começando a resfriar um Syrah

Começando a resfriar um Chardonnay, chiller já previamente resfriado

Este teste final confirmou o que eu suspeitava. A combinação de temperaturas prévias do wine chiller e do vinho influenciam bastante no resultado final. Tivesse o Syrah sido colocado no lugar do Chardonnay e identificado com uma temperatura de 16ºC, ele teria sido aquecido ao invés de resfriado. E para ganhar alguns minutos dá pra ligar o equipamento para gelar a placa de troca de calor antes de colocar o vinho dentro.

Outras considerações

Enquanto está funcionando o wine chiller Waring Pro RPC175WS emite um ruído característico que se mostra incômodo num ambiente silencioso. Já numa reunião informal com muita conversa e música ambiente esse ruído é diluído e some.

É preciso escolher a escala Celsius sempre que o chiller for novamente usado após um período desligado, já que a medição padrão é feita na escala Fahrenheit.

Por fim, este wine chiller tem bom acabamento e fica bonito junto aos demais utensílios de cozinha caso o usuário deseje deixá-lo exposto.

Conclusão

Nada substitui o bom e velho balde de gelo se você quiser servir vinhos brancos. Nesse quesito o wine chiller Waring Pro RPC175WS é um quebra-galho que exige um pouco de preparação para não deixar ninguém esperando, devendo-se calcular um tempo entre 20 e 30 minutos para atingimento da temperatura correta do vinho.

No caso de tintos o equipamento se mostra mais eficiente devido às temperaturas de serviço mais altas e à comodidade de manter as garrafas à temperatura correta com mais precisão enquanto elas estão sendo degustadas.

Saúde!

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Barreiras na vida de um enófilo iniciante

Para aqueles que já estiveram onde estou ou de alguma forma estão inseridos neste universo, seja como acompanhantes esporádicos ou parceiros iniciantes, não há dúvida de que as descobertas e os conhecimentos proporcionados pelo exercício do hobby são fantásticas. Não só no campo dos vinhos em si, mas também em matéria de geografia, história, idiomas e tecnologia.

Ao mesmo tempo em que recebemos uma enorme quantidade de informações, vem também a constatação de que há muitos obstáculos de aprendizado a serem superados, felizmente quase todos de natureza prazerosa. Estou bastante satisfeito com o ritmo com que tenho aprendido a degustar sensorialmente, com o nível das informações que tenho absorvido e com a disponibilidade de rótulos nas lojas locais. Cuiabá não é nenhum grande centro em matéria de cultura do vinho, mas o fato de ser uma capital já ajuda um pouco.

Existe uma dificuldade, no entanto, com a qual não me vejo em posição de lidar de forma satisfatória tão cedo. Talvez dificuldade não seja a palavra mais adequada, mas enfim... Não se trata de nada relacionado ao que elenquei no parágrafo acima, nem tampouco aos recursos que possuo para exercitar o hobby. Como todo neófito afoito que se preze sou dado a fazer extravagâncias, mas mesmo assim vejo muita dificuldade em lidar com um ponto específico dessa jornada.


Refiro-me, especificamente, à espera que devemos exercitar para degustar vinhos de qualidade superior em seu auge. Estou excluindo dessa categoria os exemplares caríssimos inflacionados por décadas de história, marketing e mercado especulativo – um mundo que não me pertence e ao qual não tenho recursos para pertencer. Estou falando de (supostamente) ótimos vinhos de guarda a preços que cabem perfeitamente no nosso bolso. A dificuldade, no meu caso, é ter que esperar de 5 a 10 anos para que um grande vinho esteja no “ponto de abate”. Obviamente isto não quer dizer que ele não esteja apto para o consumo agora, mas só que ao abri-lo antes deste tempo não serei capaz de evidenciar os alardeados aromas terciários que surgem com o descanso prolongado, entre outras bonanças sensoriais.

Sinceramente não sei se aguento esperar tanto para abrir um bom rótulo de uma safra de 2012, por exemplo. Muita coisa pode acontecer em cinco anos. Sabe-se lá onde estarei daqui a alguns meses? Antes que me perguntem, sim, eu sei que existem meios alternativos para degustar safras antigas de grandes vinhos. É aí que entram dois fatores agravantes no meu caso: (1) não estou disposto a arcar com os custos astronômicos do envelhecimento dos vinhos nas mãos de terceiros; e (2) eventos enófilo-gastronômicos de razoável qualidade, que seriam as ocasiões mais interessantes para começar a enveredar pelo mundo dos vinhos envelhecidos, são extremamente raros em minha cidade.

Serei capaz de ser assim tão paciente?


Refletindo um pouco mais sobre essa dificuldade, finalmente entendi as mazelas de outro frequente dilema que todos nós enfrentamos: o tamanho da nossa adega climatizada. Uma de 20 garrafas está boa? Uma adega de 60 garrafas seria exagero? Pois bem, depois de analisar muitas opções decidi-me por um modelo capaz de guardar 37 garrafas. O que era um grande espaço vazio no início acabou se transformando num ótimo meio para limitar as compras, ou seja, eu estaria proibido de comprar mais vinhos enquanto não liberasse espaço na adega (entre outras regras que espero estar discutindo no futuro por aqui). Tudo muito bonito, não? Pelo menos até o momento em que comecei a trazer para casa alguns vinhos com bom potencial de guarda, que teoricamente passaram a ocupar um espaço que não poderá ser usado por um longo período de tempo.

E assim minha adega vai reduzindo de tamanho para os vinhos que podem ser consumidos mais rapidamente. E finalmente entendi porque muita gente se arrepende de comprar adegas pequenas, partindo eventualmente para unidades maiores ou adaptações de cômodos inteiros da casa somente para abrigar as preciosas garrafas que merecem envelhecer.

Por enquanto, fica minha expectativa de algum dia provar vinhos com tempo considerável de guarda. E porque sou persistente em minhas determinações e escolhas, me recuso a manter mais de 37 garrafas em casa.

E vocês, o que acham?
Qual foi a maior "dificuldade" que enfrentam ou enfrentaram durante o processo de aprendizado enófilo?

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sobre beber vinho em restaurantes

Uma das vantagens de começar a beber mais vinhos em casa ou fora de casa é que passamos a conhecer mais produtores, mais rótulos, mais variações de safras. Passamos a entender quais são as designações mais baratas ou mais caras, quais vinícolas valorizar e quais rótulos comprar ou evitar.

Ao mesmo tempo em que isso acontece, vai também se esvaindo aquele medo bobo que possuíamos quando nos deparávamos com as cartas de vinho dos restaurantes. O ato de escolher garrafas para acompanhar as refeições deixa de ser uma questão de sorte devido ao maior discernimento, mas por outro lado é inevitável que este mesmo discernimento traga um novo questionamento que não chega a fazer parte da rotina dos leigos:

Até que ponto os preços dos vinhos nos restaurantes são justos?

Obviamente, quando se é leigo a pergunta acima não tem muita importância. O leigo escolhe a garrafa pela descrição da carta, pela pompa do texto escrito em letras cursivas, pelo nome afrancesado do rótulo ou pelo preço mesmo. Era assim que eu fazia.

Entra a enofilia e a avalanche de conhecimentos começa a tomar forma. Passamos a reconhecer os vinhos de entrada e a compreender o que significam termos como Crianza, Riserva, Roble, Classico. Sabemos que Bordeaux e o Bordô que adorna garrafas de vinhos de supermercado não são a mesma coisa. Vinho Verde não necessariamente significa que o que receberemos à mesa será um vinho verde. Enfim, não dá mais para atirar no escuro ao encarar uma carta de vinhos.

À pergunta estampada acima, portanto, ouso responder que um mark-up máximo de 100% sobre o valor de um vinho no varejo (que é na verdade maior porque os restaurantes compram diretamente das importadoras) está de muito bom tamanho. Acredito que isso é mais que suficiente para cobrir os custos de armazenagem, curadoria e logística de toda a gama de vinhos oferecida pelo estabelecimento, além de absorver os custos do serviço e prover lucro. Mark-ups maiores para vinhos de entrada e menores para vinhos premium são uma prática que também é comum, mas que não deveria sair fora do limite dos 100%.

Infelizmente, tem aumentado o número de casos em que restaurantes trabalham com preços abusivos em suas cartas. Um dos melhores lugares que frequento, por exemplo, remarcou seus preços de forma absurda, o que diminuiu um pouco (mas não matou) minha empolgação com a casa. Outros casos interessantes são os de restaurantes com cartas mais simples onde predominam vinhos de entrada com preços que fogem à minha noção pessoal de 100% de mark-up.

Em meio a esse cabo de guerra de preços e à arraigada crise econômica que se alastra no país, nós enófilos temos que nos policiar para gastar nosso rico dinheirinho de forma sensata e não incorrer em decepções graves. Como quando encontrei, no supermercado, o mesmo vinho que havia bebido no dia anterior a praticamente um quarto do preço que havia pago no restaurante. Revoltante, para dizer o mínimo!


Baseado nas nossas saídas nos últimos meses e em observações e opiniões de colegas mais experientes, cheguei a duas determinações que tenho seguido fielmente já há algum tempo.


1. Não ter vergonha de escolher os rótulos mais baratos da carta

Absolutamente.

Durante um tempo eu tentei me guiar pelos valores médios da carta. Nem o mais barato e nem o mais caro. Diante do abuso dos preços, no entanto, cheguei à conclusão de que isso não vale a pena e as chances de ser extorquido são maiores se você está se arriscando com um rótulo que ainda não conhece. Há bons vinhos de entrada que podem acompanhar perfeitamente um filé ao molho de cogumelos ou uma massa. Por que partir para um Chianti Classico quando um varietal italiano é adequado e pode até mesmo harmonizar melhor que os conhecidos DOCG da Toscana?

Já pedi Gato Negro e estava ótimo, de bom tamanho para o restaurante e sem abusos contra minha pessoa.


2. Abusar dos dias com rolha livre

Pode ser sorte, mas aqui em Cuiabá a rolha livre (ocasião em que você pode levar seu próprio vinho) é algo que está presente em muitos dos restaurantes que frequentamos. Por questões mercadológicas, em sua maioria eles liberam a rolha nas Terças-feiras, mas há também aqueles que fazem a graça nas Quartas e nas Quintas. Alguns fazem promoções de mês inteiro ou chegam até mesmo a liberar a rolha permanentemente por tempo indeterminado.

Foram poucos os que encontrei que praticam a tal taxa de rolha. Se a prática existe em mais lugares desconheço, ou ela não chega a ser muito divulgada.

Nota: reza parte da etiqueta enófilo-gastronômica que o cliente não deve levar nenhum vinho que seja comercializado na carta do estabelecimento. Concordo plenamente com isso pois faz bastante sentido. Outra parte da etiqueta diz que não é bonito levar vinhos de baixo custo. Aí já discordo, pois há vinhos bons e baratos que merecem sim acompanhar um bom carré de cordeiro fora de casa.

Banfi, Centine Toscana IGT 2013
Acompanhando ótimo jantar em noite de rolha livre

Em suma, o exagero do status em torno do vinho precisa acabar.

A ditadura do mark-up excessivo continua evitando que o vinho seja visto como uma bebida acessível.

Enquanto isso durar posso garantir que, salvo ocasiões especiais, não sentirei culpa nenhuma de pedir ou de levar rótulos mais modestos quando formos jantar fora de casa!

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Compra pela Internet - Vinícola Miolo

As maravilhas do mundo moderno! Por mais que a oferta etílica de nossas cidades seja boa ou ruim, hoje em dia é possível para qualquer pessoa em qualquer lugar do país comprar vinhos pela Internet. Imaginem como era há uns 10 ou 15 anos atrás...

Pois bem, iniciando essa série sobre avaliações de compras pela Internet, relato agora a experiência que tive recentemente na loja virtual da Vinícola Miolo.

As pessoas que se cadastram no site recebem emails informativos sobre a vinícola, incluindo a divulgação de promoções especiais. Foi numa dessas promoções, em comemoração ao Rio Wine & Food Festival 2015, que decidi fazer uma compra. Para valores acima de R$ 299 o frete era grátis, e quanto maior o valor da compra maior seria o valor do desconto.

O pedido foi feito no dia 2 de Outubro, e despachado pela transportadora em 9 de Outubro. Recebi a caixa em 23 de Outubro.


Avaliando o prazo de entrega do site, que é de 11 a 20 dias úteis a partir da confirmação de despacho do pedido (varia conforme o estado), observa-se que a entrega foi realizada antes mesmo de ser completado o prazo mínimo de 11 dias úteis. Foram 15 dias úteis desde a data da compra, ou um total de 21 dias corridos.

Em suma, os prazos foram cumpridos e até mesmo superados.

Quanto à embalagem, as seis garrafas vieram acomodadas num engradado de isopor de boa resistência dentro da caixa de papelão padronizada.


Os vinhos adquiridos foram o Miolo Gamay 2015 e o kit Campeões Miolo Grande Prova de Vinhos do Brasil 2015 Parte 2, que inclui três exemplares da linha RAR Collezione (Gewürztraminer, Viognier, Merlot), um Merlot Terroir e um Quinta do Seival Alvarinho.


Tudo saiu conforme o esperado, mas se há uma pequena crítica a ser feita ela fica por conta das safras dos vinhos, que não são especificadas durante o processo de compra. O Gewürztraminer e o Viognier são de 2011, enquanto os outros são de 2012 ou 2013. Há quem se incomode com os brancos sendo de 2011 (seria uma desova de safras antigas?), mas esse não é o meu caso. Para a próxima vez fica a sugestão de perguntar ao SAC as safras antes de concluir a compra.

VEREDITO FINAL: indico e compraria de novo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Uma experiência com vinho tinto de mesa seco

No último fim de semana decidi realizar uma experiência que senti que precisava fazer, em homenagem a um passado que já pertenceu a muitos entusiastas brasileiros de vinho.

Pergunte a qualquer pessoa adulta de que forma elas inicialmente tomaram conhecimento desse universo. 90% responderão que foi por meio dos vinhos suaves, em sua maioria vinhos de “garrafão”. Eu faço parte desse grupo, porém não bebo vinho de garrafão há muitos anos.

Decidi preparar-me para a experiência ao receber ilustres visitas em minha casa no mês passado. Foi-me solicitado comprar algumas garrafas de vinho suave para serem consumidas durante o almoço. Acabei escolhendo o Campo Largo (Famiglia Zanlorenzi), mas também levei para casa uma garrafa do Chalise tinto de mesa seco, produzido pela Salton a partir de uvas Isabel, Concord e Seibel. Que como todos sabem não são uvas pertencentes à espécie Vitis vinifera e, portanto, não são adequadas à produção de vinhos finos.

Beberiquei o Campo Largo para acompanhar as visitas, mais uma vez relembrando o sabor adocicado característico dos vinhos de garrafão. Alguns goles não matam ninguém, e minha percepção de sabor foi a mesma inicialmente registrada em memória décadas atrás. Já o Chalise seria algo novo, uma vez que eu não me lembro de jamais ter provado vinho seco feito a partir das tradicionais uvas usadas em vinho suave.

A oportunidade surgiu na última manhã de Domingo. Um Torrontés argentino (Cepas Elegidas, Mendoza 2014) abriu os trabalhos enquanto minha esposa cozinhava e as visitas chegavam. Durante o almoço o Chalise foi aberto, e finalmente pude concluir a tal experiência. No olfato senti algo muito parecido com o que se sente do vinho suave, porém não com a mesma intensidade, já no paladar não havia nada além de um gosto metálico, plano, carente de vivacidade. Sem amargor, mas também sem qualquer atrativo que convidasse a mais uma taça.

Vinícola Salton, Chalise Tinto de Mesa
Parece bonito na foto, mas não é

O Chalise seco é muito ruim. Ouso dizer, a partir dessa experiência de desapego, que se o assunto for uvas não-viníferas e eu tiver que escolher entre as duas categorias, eu prefiro o vinho suave ao vinho seco.

Em tempo: o Chalise já foi chamado de Linha de Base da Salton, uma denominação abandonada que sequer é mencionada no site da vinícola. A não ser, é claro, que você acesse uma página que ainda está no ar mas não é divulgada. Empurrar o Chalise para debaixo do tapete dessa forma parece ser bobo, mas a atitude é perfeitamente compreensível para uma empresa que deseja se destacar no mercado por seus vinhos finos, e não por vinhos de mesa – açucarados ou não – vendidos a menos de 10 reais em postos de gasolina e mercados de bairros periféricos.

E chega, garanto que não vou escrever mais sobre Vitis labrusca e respectivos clones. A não ser que role algum tipo de compensação financeira ou ameaça de morte.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Início

Olá!

Sou um jovem enófilo.

O que quis dizer é que não sou um jovem que é enófilo, mas sim um enófilo recém-nascido, bebê, neófito ainda preso às metafóricas fraldas. Apesar de estar no alto de meus 39 anos da idade, foi há muito pouco tempo que passei a ter vontade de entender melhor os vinhos que estava tomando, mais precisamente em Janeiro de 2015. Antes disso sempre bebi vinho de forma absolutamente casual, sem me importar muito com cepas ou qualidade.

Logo que comecei a me dedicar ao tema deparei-me com alguns fatos interessantes.

Além de se tratar de um universo completamente novo, que engloba vários aspectos de nossas vidas e vai além do simples ato de beber vinho, o fato de gostar de vinho a enofilia em si é fascinante como fonte de cultura e como meio de interação social. E numa era em que a informação está sempre na ponta dos dedos, muitas vezes sobrecarregando os sentidos e somente escassa para quem se recusa a ver, acredito que o processo de aprendizado fica ainda melhor quando é compartilhado.

É por essa razão, caros leitores, que estou iniciando este blogue. Para registrar meu aprendizado. Então, aos que têm experiência, encarecidamente peço paciência.

Ao contrário do tema que me levou até aqui, não sou um completo novato quando o assunto é escrever para a Internet, hobby antigo que jamais deixei de exercitar desde que aprendi como trabalhar com HTML. Tenho formação em exatas (Engenharia) porém nunca perdi a paixão pelas letras, pelo conhecimento de uma forma geral ou por qualquer um dos hobbies que fizeram ou fazem parte da minha rotina. Como este. Ou este.

Esperem encontrar por aqui divagações, avaliações e ensaios em constante mudança. Será com certeza interessante olhar para trás daqui a algum tempo.

Bem-vindos!

Em Mendoza, Argentina
 Minha esposa e eu em Mendoza, Argentina