sexta-feira, 23 de junho de 2017

Quando o vinho está morto

Esta postagem não é sobre vinhos ruins, mas sobre vinhos que estão ruins. Há uma grande diferença aí.

Considerando que em minha curta carreira enófila já acumulei uma pequena cota de vinhos mortos ou semi-mortos, e que nos últimos meses me deparei com algumas garrafas que se enquadraram nessa infeliz categoria, acho que já posso registrar aqui no blogue algumas observações pelas quais vale a pena se guiar no futuro.


Primeiramente, por que um vinho morre?

Partindo da fonte, pode-se considerar como morto o vinho que está muito ruim antes mesmo de ir ao mercado. Estes casos, porém, geralmente estão aliados às circunstâncias de contaminação das rolhas pelo fungo TCA, e aí não há muito o que se fazer do lado de cá da cadeia de consumo a não ser alertar o produtor.

Saindo da fonte, assim que o vinho chega ao mercado começa seu ciclo de vida, e é a partir daí que um conjunto de fatores extremamente importantes passa a influenciá-lo. Todos os vinhos vão morrer um dia, mas eles definitivamente morrerão mais rápido se forem expostos a:
  1. Variações bruscas de temperatura, em especial a exposição a altas temperaturas (cozimento);
  2. Umidade inadequada (baixa demais leva ao ressecamento da rolha, alta demais pode possibilitar a proliferação de fungos);
  3. Exposição demasiada à luz;
  4. Movimentação excessiva da garrafa;
  5. Envelhecimento natural do vinho, que depende da combinação de elementos como teor alcoolico e nível de taninos.
Listei as causas acima em ordem de importância, ou seja, na minha opinião o pior inimigo de um vinho é o cozimento.

Fontanafredda, Barbaresco DOCG 2007 (ITA)
O vinho estava absolutamente morto já no olfato, que era capaz de induzir náusea

Hoje eu sei, por experiência de inúmeras garrafas degustadas, que certos vinhos que tomei não estavam dentro de suas características ideais provavelmente por situações de cozimento ou pseudo-cozimento, porém a polidez não me permitiu exteriorizar as impressões da melhor maneira na época. Felizmente a experiência nos traz um maior nível de discernimento, ou seja, eventualmente ela nos torna mais conscientes. Ou cínicos, depende do ponto de vista.

A única certeza que temos, como enófilos cuidadosos que somos, é que assim que as garrafas entram no conforto de nossa casa/adega elas são tratadas com todo o carinho. O difícil é saber onde elas andaram e com quem ficaram desde o momento em que suas caixas saíram do depósito do produtor...

Como sabemos que o ser humano ainda é o elo mais fraco de qualquer processo industrial do qual faça parte, a qualidade do vinho que chega às nossas mãos é sempre, sempre responsabilidade de alguém: uma equipe de estoquistas que não fazem a mínima ideia de como e onde armazenar os vinhos, uma transportadora com motoristas que deixam a carga descansar ao sol ou desligam a refrigeração durante o transporte porque acham que vinho não é perecível, gerentes que desconhecem técnicas de venda e não compreendem o conceito de safra, pessoas desatentas sempre que há mudanças substanciais em locais de armazenamento, etc.

Bodegas Muga, Muga Blanco DOCa Rioja 2012 (ESP)
Na minha opinião o vinho estava bastante evoluído e em franco declínio, mas segundo minha esposa ele estava passado; para mim não estava imbebível, então serviu ao menos como experiência

Cautela ainda é a melhor maneira de nos precavermos contra eventuais desilusões em nossas degustações. Anoto, portanto, algumas dicas básicas para reduzir riscos e evitar surpresas:
  1. Adquirir sempre as safras mais recentes possíveis. Para tintos até seis anos de idade é razoável, para brancos três anos, contados sempre a partir do ano anterior. Vinhos de reconhecida longevidade extrapolam esses limites (ícones bordaleses e Rieslings alemães, por exemplo). No caso de vinhos jovens e de entrada, o sinal amarelo deve ser ligado ao se deparar com rótulos e cápsulas deteriorados ou vinhos com coloração visivelmente evoluída.

  2. Em situações onde os vinhos são expostos na vertical, jamais pegue a garrafa que está mais à mostra na prateleira. Estique o braço e pegue uma que está lá no fundo, mais protegida da luz. Em muitos casos as safras mais recentes também ficam por lá, escondidas enquanto as mais antigas são expostas e vendidas primeiro.

  3. Se é para arriscar numa safra mais antiga, que o faça com um revendedor qualificado, como lojas especializadas ou vendedores que se dispõem de antemão a reembolsá-lo em caso de garrafa perdida.

  4. Se a garrafa que chega até a mesa num restaurante é muito antiga, pergunte se há uma safra mais recente. Ou esteja preparado para se deparar com uma surpresa.

  5. Adegas climatizadas são bacanas, mas na falta de uma basta um cantinho da casa com um armário tranquilo, de reduzido acesso, onde seja possível guardar as garrafas com rolha na posição horizontal. Ou um móvel simples com alguns nichos onde não ocorra em nenhum momento a incidência direta/indireta de luz solar (esse da foto mandei fazer para ocupar o espaço sob a escada).

  6. Vinho só se guarda em geladeira por um dia ou por algumas horas antes de ser servido, caso seja desejada uma temperatura mais condizente com a ocasião.

  7. Vinhos sem safra declarada devem ser consumidos o mais rápido possível.

Botter, Caleo Montepulciano D'Abruzzo DOC 2014 (ITA)
Apagado e ligeiramente passado no olfato, inerte em boca; beberiquei e deixei a garrafa descansar na geladeira de um dia para o outro mas não teve jeito, tive que descartar

Eu sei que as dicas acima parecem fáceis e bobas para muitas pessoas, mas atesto que demorei algum tempo para absorver a número 1, por exemplo. No começo eu não prestava muita atenção às safras dos vinhos comprados e corria riscos desnecessários, pois na excitação da escolha e da compra acabava nem me lembrando desse detalhe.

Tenho ainda duas observações com relação à pequena amostra de vinhos cujas fotos coloquei nesta página. A primeira delas é que as três garrafas foram compradas em supermercados. Supermercados de bom nível, que frequento com certa regularidade e sempre estão abastecendo minha adega. Apesar do ocorrido acho que não devemos demonizar supermercados como lugares inadequados para se comprar vinho, até porque todos sabem do comichão que nos acomete quando passamos pela seção de vinhos ("hoje vou levar só uma garrafinha... ou duas..."). Só para se ter uma ideia, junto com as garrafas acima vieram outras que agradaram sobremaneira.

A segunda observação é que a probabilidade de encontrar vinhos passados é bem maior nos exemplares do velho mundo. Isso fica evidente quando se analisa toda a cadeia logística que italianos e espanhois passam para chegar até nós, ao contrário do que ocorre com os vizinhos argentinos e chilenos.

E por hoje é só, até a próxima!

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