quarta-feira, 15 de junho de 2016

O risco da homogeneização

Sim, a palavra é feia e estranha, mas existe. E eu continuo me confundindo sobre onde colocar o i.

Tenho notado uma tendência que me deixa um pouco preocupado no que diz respeito ao universo gastronômico-enófilo de minha cidade, Cuiabá. Refiro-me, mais especificamente, à falta de ousadia nas cartas de vinhos dos novos restaurantes que têm sido inaugurados nos últimos tempos.

Observem bem, não estou reclamando dos vinhos em si. Eles têm qualidades e são escolhas naturais para muitas ocasiões. Meu desapontamento é com a falta de diversidade e um mínimo senso de “querer ser diferente dos demais”. São cartas de vinho preguiçosas, que soam quase como fotocópias umas das outras. Cartas que não fazem a mínima questão de fugir do usual, de oferecer um ou outro rótulo fora do circuito comercial típico. Tudo bem que a maioria destes casos ocorre em bistrôs e restaurantes mais intimistas, mas isso não é desculpa quando se nota o nível de qualidade do ambiente.

Analisando a situação como consumidor, é óbvio que eu me decepciono ao abrir uma carta e notar que os vinhos disponíveis são praticamente os mesmos de outros estabelecimentos concorrentes, incluindo as eventuais descrições. Os ciclos de cartas se repetem com a predominância de um punhado de vinícolas argentinas e chilenas (sempre eles), o que é fatal para os frequentadores que apreciam um nível mínimo de diversidade. O pior mesmo é quando a carta está em completo descompasso com o tema do estabelecimento, como no caso de cantinas ditas italianas sem um único tinto italiano na carta, que é invariavelmente dominada por argentinos e chilenos (sempre eles). E não, Lambruscos amabile não contam.

Analisando a situação do lado do estabelecimento, é inegável que as dificuldades econômicas e a relativa importância do vinho numa sociedade onde a cervejinha reina absoluta contam muito na hora de decidir quais vinhos devem entrar na carta. Além disso, os preços mais convidativos de chilenos e argentinos fazem de seus rótulos as escolhas mais óbvias para qualquer restaurante que não pode se dar ao luxo de ter ou de contratar um sommelier para elaborar uma carta honesta e diversificada (seremos todos nossos próprios sommeliers?). Arriscar-se em oferecer vinhos de outras regiões pode ser um tiro no pé devido aos preços mais elevados, que aliados ao mark-up abusivo acabam excluindo tanto os consumidores iniciantes quanto os conscientes (categoria na qual me incluo).

Os restaurantes mais antigos, aos quais frequentemente recorremos como portos seguros em ocasiões de um jantar mais informal ou em reuniões com amigos, costumam renovar suas cartas periodicamente, e ainda que incorram em eventuais repetições possuem know-how suficiente para garantir alguma notoriedade em suas seleções. O que também pode não significar muita coisa visto que isso pode ser decorrente da amplitude da carta.

O resultado é uma grande quantidade de Malbecs, Cabernets e Carmènéres que se repetem de uma esquina a outra, massificando e homogeneizando a experiência das massas e afunilando as possibilidades de escolha para os enófilos mais dedicados. Mas é claro que isso pouco importa para o consumidor casual, que sempre escolhe o vinho pelo preço e utilizando o método ashke.

No final das contas, independente da situação e do restaurante a triste verdade é que a alta carga tributária e o mark-up sem escrúpulos fazem com que os preços das cartas só aumentem. E assim permanece forte a aura de esnobismo associada à bebida.

4 comentários:

  1. Boa noite. Você escreve muito bem. Gostaria de trocar ideias com você sobre vinhos. Um abraço

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    1. Fala, xará!
      Boa noite e obrigado pelo feedback!

      Troca de ideias enófilas é comigo mesmo.
      Onde estás nesse mundo online? Tens Facebook, Instagram ou algo do tipo?

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    2. Tudo certo? Estou iniciando um blog sobre vinhos brasileiros (e sulamericanos também): winesfrombrazil.wordpress.com. Tenho escrito em inglês, não sei ao certo o por quê. Abraço

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    3. Que bacana!

      Gostei muito da ideia, afinal a produção brazuca precisa de mais divulgação em idiomas estrangeiros.
      Já coloquei seu blogue aqui no feed e lerei as postagens mais tarde.

      Cheers!

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