quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sobre beber vinho em restaurantes

Uma das vantagens de começar a beber mais vinhos em casa ou fora de casa é que passamos a conhecer mais produtores, mais rótulos, mais variações de safras. Passamos a entender quais são as designações mais baratas ou mais caras, quais vinícolas valorizar e quais rótulos comprar ou evitar.

Ao mesmo tempo em que isso acontece, vai também se esvaindo aquele medo bobo que possuíamos quando nos deparávamos com as cartas de vinho dos restaurantes. O ato de escolher garrafas para acompanhar as refeições deixa de ser uma questão de sorte devido ao maior discernimento, mas por outro lado é inevitável que este mesmo discernimento traga um novo questionamento que não chega a fazer parte da rotina dos leigos:

Até que ponto os preços dos vinhos nos restaurantes são justos?

Obviamente, quando se é leigo a pergunta acima não tem muita importância. O leigo escolhe a garrafa pela descrição da carta, pela pompa do texto escrito em letras cursivas, pelo nome afrancesado do rótulo ou pelo preço mesmo. Era assim que eu fazia.

Entra a enofilia e a avalanche de conhecimentos começa a tomar forma. Passamos a reconhecer os vinhos de entrada e a compreender o que significam termos como Crianza, Riserva, Roble, Classico. Sabemos que Bordeaux e o Bordô que adorna garrafas de vinhos de supermercado não são a mesma coisa. Vinho Verde não necessariamente significa que o que receberemos à mesa será um vinho verde. Enfim, não dá mais para atirar no escuro ao encarar uma carta de vinhos.

À pergunta estampada acima, portanto, ouso responder que um mark-up máximo de 100% sobre o valor de um vinho no varejo (que é na verdade maior porque os restaurantes compram diretamente das importadoras) está de muito bom tamanho. Acredito que isso é mais que suficiente para cobrir os custos de armazenagem, curadoria e logística de toda a gama de vinhos oferecida pelo estabelecimento, além de absorver os custos do serviço e prover lucro. Mark-ups maiores para vinhos de entrada e menores para vinhos premium são uma prática que também é comum, mas que não deveria sair fora do limite dos 100%.

Infelizmente, tem aumentado o número de casos em que restaurantes trabalham com preços abusivos em suas cartas. Um dos melhores lugares que frequento, por exemplo, remarcou seus preços de forma absurda, o que diminuiu um pouco (mas não matou) minha empolgação com a casa. Outros casos interessantes são os de restaurantes com cartas mais simples onde predominam vinhos de entrada com preços que fogem à minha noção pessoal de 100% de mark-up.

Em meio a esse cabo de guerra de preços e à arraigada crise econômica que se alastra no país, nós enófilos temos que nos policiar para gastar nosso rico dinheirinho de forma sensata e não incorrer em decepções graves. Como quando encontrei, no supermercado, o mesmo vinho que havia bebido no dia anterior a praticamente um quarto do preço que havia pago no restaurante. Revoltante, para dizer o mínimo!


Baseado nas nossas saídas nos últimos meses e em observações e opiniões de colegas mais experientes, cheguei a duas determinações que tenho seguido fielmente já há algum tempo.


1. Não ter vergonha de escolher os rótulos mais baratos da carta

Absolutamente.

Durante um tempo eu tentei me guiar pelos valores médios da carta. Nem o mais barato e nem o mais caro. Diante do abuso dos preços, no entanto, cheguei à conclusão de que isso não vale a pena e as chances de ser extorquido são maiores se você está se arriscando com um rótulo que ainda não conhece. Há bons vinhos de entrada que podem acompanhar perfeitamente um filé ao molho de cogumelos ou uma massa. Por que partir para um Chianti Classico quando um varietal italiano é adequado e pode até mesmo harmonizar melhor que os conhecidos DOCG da Toscana?

Já pedi Gato Negro e estava ótimo, de bom tamanho para o restaurante e sem abusos contra minha pessoa.


2. Abusar dos dias com rolha livre

Pode ser sorte, mas aqui em Cuiabá a rolha livre (ocasião em que você pode levar seu próprio vinho) é algo que está presente em muitos dos restaurantes que frequentamos. Por questões mercadológicas, em sua maioria eles liberam a rolha nas Terças-feiras, mas há também aqueles que fazem a graça nas Quartas e nas Quintas. Alguns fazem promoções de mês inteiro ou chegam até mesmo a liberar a rolha permanentemente por tempo indeterminado.

Foram poucos os que encontrei que praticam a tal taxa de rolha. Se a prática existe em mais lugares desconheço, ou ela não chega a ser muito divulgada.

Nota: reza parte da etiqueta enófilo-gastronômica que o cliente não deve levar nenhum vinho que seja comercializado na carta do estabelecimento. Concordo plenamente com isso pois faz bastante sentido. Outra parte da etiqueta diz que não é bonito levar vinhos de baixo custo. Aí já discordo, pois há vinhos bons e baratos que merecem sim acompanhar um bom carré de cordeiro fora de casa.

Banfi, Centine Toscana IGT 2013
Acompanhando ótimo jantar em noite de rolha livre

Em suma, o exagero do status em torno do vinho precisa acabar.

A ditadura do mark-up excessivo continua evitando que o vinho seja visto como uma bebida acessível.

Enquanto isso durar posso garantir que, salvo ocasiões especiais, não sentirei culpa nenhuma de pedir ou de levar rótulos mais modestos quando formos jantar fora de casa!

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