terça-feira, 19 de janeiro de 2016

As mais diversas harmonizações para uma garrafa de vinho

Um dos aspectos mais fascinantes dos vinhos é a sua extrema adaptabilidade à rotina do enófilo. Em geral a inserção começa meio devagar, quase sempre acompanhando refeições e ocasiões especiais. Mas deixe estar... Depois de algum tempo a fascinação por vinhos passa a tomar um espaço cada vez mais abrangente dentro e fora de casa, inserindo-se também sem muita cerimônia em outras atividades antes insuspeitas de com ela serem combinadas.

A verdade é que, como todos já sabemos, a enofilia vai muito além do simples ato de gostar de tomar vinho, assim como jardinagem vai muito além do simples ato de plantar hortênsias. Há uma infinidade de ramificações naturais para os que desejam se aprofundar em qualquer atividade, seja ela um hobby ou algo mais sério. E não é preciso ir muito longe para compreender o impacto que vem com o entusiasmo gerado por um assunto envolvente. Procurar saber o que há por trás da fabricação de um vinho simples, por exemplo, pode ser uma incrível experiência de aprendizado. Pesquisar sobre as melhores formas de preservá-lo, servi-lo e degustá-lo é capaz de nos fazer gastar centenas de reais e entulhar nossas gavetas com apetrechos que nem sempre chegam a ser úteis.

Ainda que algumas pessoas curtam degustar seus vinhos sozinhas e sem qualquer tipo de vínculo com outra atividade, na minha opinião o que mais importa em sua apreciação é o contexto. Acho deveras triste abrir uma garrafa somente por abrir, sem uma correlação com algo ao qual você esteja se dedicando. Estamos sempre esperando por uma desculpa, não é mesmo? E essas desculpas podem ser também outros hobbies, que ao serem combinados ao ato de tomar vinho produzem tipos distintos de harmonização que podem ser tão prazerosos quanto a mais comum de todas as harmonizações, ou seja, vinho e comida.


Conhecida basicamente como a arte de combinar vinho e a comida, a enogastronomia costuma ser o foco principal de todos os degustadores contumazes de vinho. Não por acaso, trata-se também do subtema mais explorado nas discussões enófilas. Quem já não passou pelo martírio de ter que escolher uma garrafa que combinasse com um prato específico? Ou pela decepção de provar um vinho que não caiu bem com aquela saborosa massa carregada de condimentos?

Há poucos prazeres mais imediatamente recompensadores do que comer e beber bem, mas comer e beber bem melhora ainda mais quando temos companhia, daí a importância socializadora do vinho. Lubrificador não somente da alma como também de línguas presas, o vinho é o acompanhamento perfeito para uma boa rodada de conversa, fiada ou não. Aliás, todas as bebidas com algum teor alcoolico o são, porém poucas vêm acompanhadas da fleuma e do garbo de um bom blend diante de uma lareira – ou, no meu caso, diante do jardim ou na área da minha casa. Minha opinião é que mais pessoas deveriam praticar a enofilosofia, inclusive eu próprio.

E filosofar sozinho, também conta?

Como eu disse mais acima, acho meio triste... Se é para ficar sozinho com vinho, é necessário fazer com que ele acompanhe ao menos uma boa leitura. Não qualquer leitura, mas especificamente a de ficção e obviamente a leitura enófila. Não me imagino tendo qualquer satisfação ao tomar vinho enquanto leio a seção de economia de um jornal ou estudo algum manual técnico relacionado a trabalho. E aproveito para colocar na categoria de aprovados para enoleitura as minhas HQs (comic books, histórias em quadrinhos), paixão antiga da qual ainda não abri mão.

Nota: indo um pouco além na enofilosofia, acredito que o vinho deva ser também ótimo estimulante para a criatividade ao escrever, seja o resultado ficção ou não-ficção.

Fratelli Dogliani, Barolo Riserva DOCG 2006
Meu primeiro Barolo, acompanhando leitura enófila

Quando o passatempo ou atividade extra envolve determinados níveis de esforço físico ou mental a conversa já muda de figura, e a ingestão de vinho passa a ficar mais parecida com a apreciação de outras bebidas alcoolicas, como a cerveja. Afinal, depois de algum tempo o álcool certamente irá afetar sua performance se você estiver se dedicando a algum esporte, a um instrumento musical ou a uma partida de xadrez. Dependendo da complexidade, até mesmo um filme pode se tornar nebuloso depois de algumas taças. Mesmo assim está aí algo possível sim de se fazer, desde que se adote uma linha de corte para o álcool ou se admita a perda de performance – sob condições seguras em caso de esportes.

Às vezes misturo o vinho a um dos meus hobbies favoritos: trata-se dos jogos de nave (ou shmups, shoot’em ups, STG - Shooting Games), um gênero extremamente específico de jogos eletrônicos desenvolvidos em plano bidimensional, do qual tenho uma coleção praticamente completa para os mais variados consoles de vídeo-game. O objetivo e a fonte de adrenalina deste tipo de jogo é vencer o desafio proposto pelo programa, desviando de tiros/balas e chegando ao final sem que todas as vidas sejam perdidas. O que se espera do jogador é agilidade, destreza, reflexos, coordenação motora e, claro, boa memória. Exemplos clássicos: Space Invaders, Gradius, Darius, Raiden, Thunder Force, Defender of Zorgaba.

Sim, eu sei que provavelmente somente fãs ou os mais velhos saberão do que estou falando.

Como estes jogos exigem concentração mental, adivinhem o que acontece quando o álcool começa a subir pra cabeça? É por isso que cheguei à conclusão de que depois de duas taças já estou começando a entrar no meu limite. Mas devo dizer que a combinação funciona bem, e com praticamente todo tipo de vinho desde que ele seja bom. Batizei a prática de enoshmupping.

Jogos de nave de 16 bits, parceria fácil com todos os tipos de taninos

Englobando todas as combinações de vinho com atividades paralelas, existe ainda a categoria de harmonizações mais passivas. E a mais comum e óbvia harmonização deste tipo é a enofotografia, que está ao alcance de praticamente qualquer pessoa nos dias de hoje. Deparou-se com aquele rótulo que sempre quis? Abriu uma garrafa especial, harmonizou-a com seu prato favorito? A confraria se reuniu mais uma vez para enfileirar garrafas preciosas em noite de degustação? Está visitando alguma vinícola de renome?

Fotos, fotos!

É difícil encontrar um enófilo que não seja também um fotógrafo (amador ou não) de vinhos. Há uma infinidade de pessoas que compartilham essa e outras paixões via redes sociais. Tem gente que gosta de guardar as garrafas ou os rótulos dos vinhos provados, outros se contentam em guardar as rolhas. Das garrafas e dos momentos vividos bastam-me as rolhas (quando me lembro de guardá-las), fotografias e uma planilha em Excel com uma macro. Uma conta no Instagram também é ótima para compartilhar fotos e pegar dicas com colegas enófilos, enólogos, sommeliers, vinícolas, restaurantes, etc.

Diretamente do Instagram:
1. Santa Carolina, Late Harvest Sauvignon Blanc 2010 / Sonic Wings 3
2. Cousiño-Macul, Don Matías Reserva Carménère 2014 / Strikers 1945
3. Cepas Elegidas, Torrontés 2014 / Winds of Thunder
4. Enoport, Calamares Vinho Verde DOC / Karous

Há muitas outras associações menos conhecidas entre a enofilia e os mais diversos hobbies. Dentre as coleções de souvenirs relacionados a vinhos e uvas, como revistas ou memorabilia, um exemplo que acho extremamente bacana é a enofilatelia, que nada mais é do que o ato de colecionar selos com a temática do vinho. Olhem, por exemplo, que interessantíssima a conta de Instagram do usuário selos_e_vinhos.

Já me dediquei a colecionar selos na infância, mas de minha época de filatelista guardo somente dois classificadores com algumas poucas raridades. Ao revirar a coleção e procurar um selo relacionado ao tema, infelizmente o único que consegui encontrar foi esse abaixo:

Selo brasileiro, lançado originalmente em 1977

No final das contas, inúmeros são os pretextos para se abrir, degustar e harmonizar uma garrafa de vinho e seu correspondente legado. E tenho certeza de que ainda estou por ver muita coisa pela frente!

Saúde!

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