sábado, 30 de janeiro de 2016

A absolutamente sustentável leveza do vinho branco

Quando alguém diz que não gosta disso ou daquilo à mesa, costumo retrucar que isso é bom porque assim sobra mais pra quem gosta.

Apesar dessa afirmação algo infantilizada se aplicar mais fortemente para coentro, rabanete ou pequi, num contexto enófilo geral ela também vale para o vinho branco. Porque vinho branco junto a grande parte do povo brasileiro, que prima por uma cultura machista e pseudo-intelectual, não passa de bebida de mulher ou de gente “fresca”. Obviamente tal ideia não surgiu da noite para o dia, tendo raízes profundas em nossa herança cultural.

Quando vejo matérias em revistas e websites tentando convencer o leitor a tomar mais vinho branco percebo sempre os mesmos argumentos cansados, batidos, gastos de tanto serem copiados por meio de CTRL+C / CTRL+V. Coisas como a ideia de que o vinho branco é mais refrescante e casa com verão, com sol, com praia, com piscina, etc.

Isso me enerva porque, seguindo esse raciocínio, em locais de clima frio ou muito frio não se beberia vinho branco.


Outra vertente que tenta trazer as pessoas para o lado branco da enofilia está na sugestão de harmonização gastronômica com peixes, frutos do mar e pratos “leves”. Apesar de ser outra afirmação óbvia, o que existe de gente que não se furta ao tinto em refeições do tipo é alarmante.

Infelizmente, sinto que todas essas altercações e tentativas de convencimento, na maior parte das vezes, entram por um ouvido e saem pelo outro.

Antes de continuar, declaro que em nenhum momento tenho a intenção de denegrir o gosto alheio, até porque cada um tem o seu e isso é o mais importante sempre. O que me deixa perplexo e ligeiramente irritado às vezes é a malhação gratuita e infundada à categoria dos vinhos brancos. Se você, leitor, é um colega enófilo que não guarda uma garrafa sequer de vinho branco na adega e já está me olhando torto desde o segundo parágrafo deste texto, sinto muito. Nós provavelmente teríamos uma acalorada discussão se estivéssemos sentados à mesa diante de uma carta de vinhos.


Na minha modesta opinião existem motivos bem mais razoáveis que os expostos acima para dar uma chance aos vinhos brancos. Rogo que deixem de lado essa balela de que eles só combinam com clima quente ou que eles só podem acompanhar frutos do mar. Mesmo sem ter muita quilometragem enófila, ouso contribuir com alguns pitacos neste tema não tão delicado e nem tão controverso, mas bastante pertinente principalmente em ocasiões de interação social.

Eis três pontos importantes:

  • O vinho branco é imbatível como aperitivo – O evento não começou ainda e os convivas querem abrir uma garrafa? É nesses momentos que os vinhos brancos brilham, pois além de virem antes dos tintos na escala de múltiplas harmonizações eles são leves, não pesam no paladar e alegram as mentes sem incorrer em alcoolização excessiva. Que maravilha é um Sauvignon Blanc ou um Torrontés da safra mais recente possível. Um Vinho Verde então!

  • Leveza – Para um mesmo teor alcoolico, a maioria dos vinhos brancos sem passagem por carvalho sempre será mais leve que qualquer vinho tinto. Como um degustador contumaz, daqueles que chegam a abrir três ou mais garrafas por semana, muitas vezes meu paladar clama por algo mais leve. Leveza é bem-vinda quando nossas glândulas começam a ficar saturadas com taninos, quando há um compromisso madrugador no dia seguinte ou quando a(s) companhia(s) desejam algo alcoolico com menos potencial de te “derrubar”. Atenção: leve não é a mesma coisa que ralo, e é mais provável a gente se deparar com um tinto aguado do que com um branco aguado.

  • Maior diversidade aromática – Via de regra, tenho percebido que os vinhos tintos se diferenciam mesmo na sensação tátil do paladar. Nos vinhos brancos a situação se inverte, ou seja, é na análise olfativa que se percebe uma maior diversidade entre as mais diversas castas. Além disso, a probabilidade de vivenciar uma riqueza aromática maior nas garrafas de preço mais modesto está do lado dos vinhos brancos, uma vez que é mais difícil encontrar personalidade aromática em tintos baratinhos.


Sobre este tema em particular, confesso que meu estilo de vinho branco preferido é o jovem, frutado, de pegada mais mineral, sem passagem por carvalho. Mesmo assim, procuro ter sempre por perto uma garrafa com passagem por carvalho (geralmente Chardonnay), uma vez que elas são o correspondente natural para tintos de corpo médio. A combinação do álcool com os taninos, neste caso, contribui com um peso que praticamente iguala o branco ao tinto.

Outra coisa extremamente importante: consumir vinho branco fora da faixa de temperatura ideal é o fim da rosca. O balde com gelo faz muita diferença.

Ah, mas e se eu estiver num frio de 5 graus?

Neste caso um tinto encorpado é a melhor pedida, claro! Mas basear-se na temperatura ambiente a ferro e fogo também é outra forma de cercear a diversidade. Afinal, lareira, aquecedores e aparelhos de ar condicionado existem pra quê mesmo?

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