quarta-feira, 13 de julho de 2016

Vinho fora de casa - Parte 3: Pedindo vinho em taça

Vamos dar continuidade às divagações motivadas pela necessidade eventual de se limitar o consumo de vinho em restaurantes.

Na parte 1 dessa série eu divaguei sobre como administrar uma garrafa inteira (750 ml), e na parte 2 tentei elencar as inúmeras vantagens das meias garrafas. Agora vou relatar como foram minhas experiências pedindo vinho em taça.

Afinal, vale a pena?

Na minha opinião existem duas grandes vantagens teóricas em se pedir vinho em taça num restaurante. A primeira delas, obviamente, é que uma taça de 150 ml de vinho é uma medida ótima para acompanhar uma refeição simples com o adicional de incorrer em nenhum ou quase nenhum efeito alcoolico no organismo. A segunda vantagem é que vinhos em taça abrem um leque excelente de harmonização em passos, ou seja, é possível degustar um branco acompanhando a entrada, um tinto encorpado junto com o prato principal e um fortificado ao final, com a sobremesa. O vinho em taça, portanto, seria a maneira mais racional (volume e custo) de se adaptar a bebida ao menu que você pede num restaurante.

O universo de vinho em taça nos restaurantes, no entanto, esbarra em várias dificuldades de cunho comercial e cultural. Em regiões sem tradição de consumo da bebida, por exemplo, é extremamente difícil encontrar opções de vinho em taça, e quanto existente ela está restrita aos rótulos mais simples possíveis com preços que parecem excessivos. Quanto a isso não há o que fazer, pelo menos em curto prazo, e o único remédio seria se deslocar para os grandes centros. São Paulo, por exemplo, conta com um número razoável de bares e restaurantes que dispõem do serviço com boa variedade.

Do lado comercial, muitos estabelecimentos não se arriscam a oferecer o serviço com mais frequência devido às dificuldades inerentes, como o baixo giro dos vinhos abertos e o eterno dilema da conservação da bebida no sentido de impedir sua oxidação e, assim, a inevitável perda de suas características. As soluções mais eficientes, como máquinas específicas ou dispositivos inusitados projetados para servir e conservar o vinho, são as mais dispendiosas, enquanto opções baratas como o bag-in-box ficam restritas aos vinhos mais facilmente disponíveis no mercado.

O sistema virtualmente perfeito de self-service de vinhos por taça

Nota: a opção de encapsulamento em bag-in-box (BiB), apesar de bastante difundida em vários lugares do mundo, ainda não emplacou no Brasil. Eu mesmo tenho reservas quanto a ela, mas para um restaurante servindo vinhos em taça eu admito que esta pode ser uma boa opção. Existem várias supostas vantagens do bag-in-box, mas a principal delas é que ele não permite que o oxigênio entre em contato com o vinho, conservando-o por muito mais tempo uma vez que a torneirinha é aberta (o período típico pode passar de um mês). Então, para um restaurante disposto a servir vinho em taça a partir de um bag-in-box a matemática é bem simples: um bag-in-box de 5 litros rende pouco mais de 30 taças; se seu custo for de 100 reais e a taça do vinho for comercializada a 12 reais, 10 taças servidas já cobrem esse custo. Considerando o tempo em que um bag-in-box é capaz de manter a qualidade do vinho, as vantagens dessa modalidade de serviço são mais do que evidentes. Eis aqui um depoimento e uma indicação de restaurante, por exemplo.

A etiqueta de serviço de vinho em taça é outro aspecto que me chama a atenção, e nesse ponto vou ser curto e grosso: eu gosto de saber de onde meu vinho está vindo, e ver o garçom/sommelier servindo a taça na mesa a partir da garrafa é na minha opinião o método ideal. Serei chato? Tudo o que posso dizer é que visualizar a garrafa e o vinho sendo colocado na taça faz uma diferença absurda na percepção da qualidade do serviço. É claro que isso não é possível quando falamos de bag-in-box, mas num estabelecimento que se preza por um bom trabalho com vinhos em taça o bag-in-box deve ser a exceção, não a regra.

A não ser que você esteja num ambiente cujo propósito é ser um wine bar ou um restaurante verdadeiramente especializado, pedir vinho em taça nunca vai deixar de ser um risco. Seja por não sabermos há quanto tempo a garrafa está aberta, por não termos ideia de quão bem conservado o vinho está ou mesmo por não ser possível ter acesso visual à garrafa.

A seguir estão algumas das experiências que tive nessa modalidade:

Clos de Chacras, Cavas de Crianza Malbec Rosé (ARG)
Degustado no restaurante da bodega em Mendoza
A garrafa veio à mesa

O vinho foi aberto na minha frente, o que me agradou bastante. Mais fresco e seco que propriamente aromático, casou muito bem com os pães e queijos da entrada do almoço em três passos. Foi tão bom que trouxemos uma garrafa desse rosé, espero abri-la em breve!

Carmim, Olaria Tinto (POR)
Corte de 35% Castelão, 35% Aragonez (Tempranillo) e 30% Trincadeira
Degustado no restaurante Madero Steakhouse de Cuiabá
A taça veio à mesa

Não pude sentir nada de muito especial aqui, já que o vinho não se sobressaiu nem desapontou. O interessante é que aqui no Brasil o Olaria vem rotulado como um vinho suave, algo que não senti em nenhum momento. Ou os vinhos de mesa suaves portugueses estão em outro nível ou me serviram outro vinho se passando por ele. Fica a motivação para abrir uma garrafa em casa em outra oportunidade.

Domno, Quíchua Cabernet Sauvignon (CHI)
Degustado no Di Pietro Vineria & Ristorante
A taça veio à mesa

Um bom Cabernet Sauvignon, frutado e de corpo leve, o tipo de tinto seco feito para ser uma espécie de coringa em todas as ocasiões. É o primeiro vinho produzido em solo chileno com uvas do Valle Central pela importadora operada pela Casa Valduga, sendo distribuído em garrafas de 750ml e bag-in-box de 3 e 5 litros.

Depois destas experiências, eu diria que a opção de vinho em taça nos restaurantes é uma boa pedida quando você estiver sozinho ou em companhia de amigos que optaram pela cerveja ou pelo suco. No entanto, preciso ser sincero e dizer que ela nunca será minha alternativa favorita, pelo menos aqui em Cuiabá.

Outras leituras interessantes sobre o tema:
http://tudoconformeeumesmo.com/tag/vinho-em-taca
http://guides.wsj.com/wine/dining-with-wine/10-pointers-for-restaurants-with-wine-service

3 comentários:

  1. Edward,
    é curioso que o vinho português Olaria tenha sido classificado como suave. Olhando a ficha técnica do produtor, nem mesmo poderia ser semi-seco. Ele é tão seco quanto um vinho português pode ser:
    http://www.carmim.eu/uploads/olaria-tinto-grf-pt-1.pdf
    Abraço!

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    1. Edward,
      por coincidência, eu vi ontem à noite o vinho Olaria, estampado de todo tamanho "Suave", no supermercado. No entanto, entendo que este termo foi colocado pelo produtor, por vontade própria, e aparentemente, apenas para o mercado brasileiro. Só não sei com que propósito.
      No contra-rótulo do importador, a classificação oficial da legislação brasileira consta como seco, como não poderia deixar de ser.
      Abraço!

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    2. Mas rapaz, e é mesmo?
      Que confusão!

      Vou dar uma conferida nisso também na próxima vez em que a esposa me mand... Quer dizer, na próxima vez em que ir ao supermercado fazer compras!

      Mas o engraçado é ver que muitos veículos do meio, como cartas de vinhos de restaurantes e websites como o da wine.com.br ("naturalmente adocicado"), rotulam o Olaria como suave.

      Abraço e saúde!

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