segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sobre a Chaptalização

Na semana passada uma de minhas leituras aleatórias do universo enófilo trouxe à tona um erro de interpretação de minha parte que foi devidamente corrigido com um pouco de pesquisa. Decidi escrever sobre ele para fixar o aprendizado.

A definição de chaptalização diz que este é um processo usado nas vinícolas para corrigir/elevar o teor alcoolico do vinho. Basicamente, trata-se da adição de açúcar ao mosto de uvas antes ou durante a fermentação, açúcar este que será convertido em álcool pelas leveduras que já estão encarregadas de fazer isso com os açúcares naturais da fruta.

Na minha concepção prévia, quando chaptalizados os vinhos teriam um teor maior de açúcar devido à adição do mesmo. Isso não é verdade, pois o único propósito do açúcar usado na chaptalização é elevar o teor alcoolico do vinho, não adoçá-lo.


Fiquei ainda matutando algumas coisas por um tempo, e os questionamentos e observações reproduzo aqui para referência futura:

Quais seriam os motivos que levariam um produtor a chaptalizar seu vinho?

A resposta mais comum refere-se a uvas colhidas antes do tempo de maturação ideal, uvas com baixo teor natural de açúcar (na maior parte das vezes cultivadas em regiões de clima muito frio) ou uvas coletadas de fontes distintas e com diferentes perfis de cultivo. Nestas condições as uvas não teriam açúcares suficientes para atingir o teor alcoolico mínimo desejado pelo produtor, que neste caso lança mão da chaptalização para dar um gás na graduação alcoolica – dentro do permitido pela legislação pertinente, é claro, pois para tudo há um limite.

Se o objetivo da chaptalização é converter todo o açúcar adicionado ao vinho em álcool, de onde vem o açúcar em vinhos doces e suaves?

O meio mais comum para obter um vinho com teor maior de açúcar é colher as uvas após o tempo ideal, ou seja, quando elas já estão “enrugando”. As uvas bem maduras ou passadas concentram o açúcar e elevam seu teor em relação ao líquido da fruta. Daí vêm os rótulos botrytizados, Late Harvest, Passito, etc.

Independente da quantidade de açúcar presente no mosto, seja pela chaptalização ou por uma fruta mais seca, o vinho adocicado pode ser obtido pela interrupção da fermentação antes que ela termine (por meio de um choque térmico que mata as leveduras e impede que o açúcar remanescente seja convertido em álcool) ou pela adição simples de açúcar ao vinho finalizado, porém neste caso é preciso considerar também o uso de estabilizadores como o sorbato de potássio para impedir a re-fermentação do açúcar adicionado. A re-fermentação indesejada é o que explica fenômenos como vinhos tranquilos que estão frisantes ao serem abertos ou garrafas de suco de uva explodindo do nada, por exemplo.

Observação 1: caso a fermentação ocorra como planejado o vinho será seco ou muito próximo de seco, sendo o açúcar residual composto por tipos de açúcares que as leveduras não são capazes de processar.

Observação 2: adicionar mais açúcar do que as leveduras são capazes de processar é outra alternativa para obter um vinho mais doce; as leveduras perdem seu efeito não só quando a temperatura se torna excessiva, mas também devido ao próprio álcool metabolizado.


No Brasil usa-se a chaptalização? Quais são os limites permitidos?

Sim, o Brasil é um dos países que permite a chaptalização.

Após a publicação do decreto número 8.198, de 20 de Fevereiro de 2014, novos limites para a correção alcoolica foram estabelecidos. Para vinhos feitos de uvas viníferas com graduação alcoolica entre 10% e 13%, o limite de correção é de 2% por quatro anos e passará a ser de 1% após 20 de Fevereiro de 2018. Para vinhos feitos de variedades americanas com graduação alcoolica entre 9% e 13%, o limite de correção é de 3% por quatro anos e passará a ser de 2% após 20 de Fevereiro de 2018.

A correção não é permitida quando o vinho estiver fora dos intervalos acima (10% e 13% para uvas viníferas, por exemplo).

Onde a chaptalização é proibida?

Na Argentina, Austrália, Estados Unidos (só na Califórnia), Itália, África do Sul e Alemanha (somente Prädikatswein).

O que os produtores podem fazer para evitar recorrer à chaptalização?

Basicamente, é preciso ter um maior cuidado nos vinhedos. Um dos objetivos principais deve ser diminuir a produção de cachos por pé, aumentando assim a densidade de nutrientes e açúcar na fruta. Além disso, todos os esforços devem ser direcionados a proporcionar melhores condições de maturação das uvas, desde o tempo de exposição ao sol até a mitigação dos efeitos nefastos de eventos climáticos adversos.


Devo assumir que vinhos chaptalizados são ruins?

Considerando que equilíbrio é o mais importante aspecto de qualquer vinho e que detectar a chaptalização na taça é algo extremamente difícil (para não dizer impossível), não dá para dizer que um vinho chaptalizado seja necessariamente ruim. O álcool proveniente do açúcar adicionado ao mosto tem o mesmo gosto do álcool proveniente da fruta. No entanto, se a chaptalização for excessiva e o vinho não tiver concentração de fruta suficiente para fazer frente ao álcool ele pode apresentar textura francamente desequilibrada.

Daí é possível compreender porque alguns vinhos com teor alcoolico de 11~12% soam tão quentes, enquanto petardos argentinos com 15% de álcool descem como veludo. Regra geral, deve-se desconfiar de vinhos com perfil aromático tímido, onde o álcool se sobressai em relação a taninos, acidez e fruta.


Ainda que haja defensores e opositores ferrenhos da chaptalização, deve-se considerar que esta é apenas uma das técnicas de correção do vinho utilizadas pelas bodegas.

Puxar a ponta do fio de novelo que é todo o conjunto de técnicas de correção vinícola pode abrir uma caixa de pandora capaz de desanimar o mais apaixonado enófilo. É exatamente por isso que encerro por aqui esta postagem entediantemente descritiva. Por hoje chega.

Quem quiser me corrigir ou adicionar mais informação ao tema pode fazê-lo nos comentários.

Referências de pesquisa para este texto:
http://en.wikipedia.org/wiki/Chaptalization
http://www.intowine.com/dry-wine-or-sweet-wine-how-manage-sugar-when-making-wine
http://www.eckraus.com/wine-making-sweet
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8198.htm#art5
http://debramasterofwine.com/just-a-spoonful-of-sugar

9 comentários:

  1. Olá Edward

    Muito bom o seu post, desmistificando a chaptalização no Brasil e informando as novas regras estabelecidas.
    Eu acho que a maioria dos produtores nacionais, já não utilizam mais este processo, pois estão fazendo grandes investimentos nos cuidados com os seus vinhedos.
    Parabéns pelo seu blog
    Grande abraço
    Paulo Umpierre

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E o círculo se fecha!
      É sempre bom quando o autor do texto que nos motivou deixa um comentário. Obrigado, Umpierre.

      Vou estar conferindo os canais que mencionaste lá no seu blogue.

      Abraço!

      Excluir
  2. Prezado. Muito interessante o teu texto e muito bem escrito. A chaptalização é muito usada aqui no Brasil. A maior parte das grande vinícolas nega mas te asseguro que se trata de uma mentira. Quando você pega vinhos da Miolo, Valduga, etc... todo ano com aquele mesmo teor de 13%, temos um caso óbvio de ajuste de teor de açúcar. Por melhor que seja o manejo do vinhedo é impossível bater sempre o mesmo teor. Na Valmarino a prática foi confirmada pelo seu excelente enólogo, que não vê problema nenhum, desde que feita com boa técnica.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Figueiredo, já ouvi isso de outras pessoas (sobre a chaptalização velada realizada pelas grandes vinícolas).

      Como tb dizes, que pelo menos seja feita com boa técnica!

      Excluir
    2. Claro. Teoricamente pega mal um vinho com teor de 11.5 ou 12.0%. Da mesma forma, aqui no sul o povo tem uma implicância enorme com a Cabernet Franc. De repente tu poderias escrever sobre isso.

      Excluir
    3. 12% de álcool pega mal somente no nosso país será?
      Eu particularmente não tenho nada contra.

      E nunca provei um Cabernet Franc varietal, está aí algo que preciso remediar no futuro próximo. Aceito recomendações!

      Excluir
    4. Absolutamente nada contra vinhos menos alcoólicos.

      Muitas vinícolas desistiram da Cabernet Franc quando a Cabernet Sauvignon chegou ao Rio Grande do Sul. Os vinhos desta última tinham mais corpo, cor, álcool e expressão. Aí cortaram tudo e substituíram.

      Ao que parece foi um erro estratégico. A Franc usada na época era um clone problemático, doente e conduzido de forma inadequada.

      Hoje a Valmarino tem produzido Francs muito interessantes, te indico dois:
      - Valmarino Cabernet Franc 2012 ou 2013
      - Valmarino & Churchill 2013 (difícil de encontrar), com tempo maior em barrica que o primeiro.

      Há ainda o Casa Valduga Cabernet Franc 2012, provei na vinícola e achei interessante mas menos expressivo que os Valmarino.

      Do Chile, experimentei recentemente o Maquis Cabernet Franc 2012 e achei um estouro.

      Abraço.

      Excluir
  3. Interessante a afirmação do teu leitor. Fiz uma pequena busca nos vinhos da Miolo, Linha Reserva e me deparei com as seguintes informações:
    com 13% = Cabernet Sauvignon, Tempranillo e Merlot
    com 14% = Tannat
    com 12,5% = Pinot Noir, Chardonnay
    com 12% = Pinot Grigio
    e com 11,5% = Sauvignon Blanc.
    São os que estão sendo comercializados atualmente pela empresa, com safras distintas.
    Desta forma, penso que o "óbvio ajuste..." não se enquadra nesta empresa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Luiz!

      Creio que o Figueiredo apontou para o fato de um mesmo vinho, como o Miolo Merlot por exemplo, sair com o mesmo teor alcoolico de 13% ano após ano, sem nenhuma variação para cima ou para baixo que apontasse um nível de maturação diferente das uvas.

      Taí algo interessante para se investigar mais a fundo.

      Obrigado pelo comentário! :)

      Excluir